segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O TEÓLOGO NO "VALLE"


Quando decidi cursar teologia, foi preciso um enfrentamento comigo mesmo e com as condições adversas que se apresentavam a mim, na época. Estava no final de 2010 e comecinho de 2011 e o coração pedia que não passasse do próximo ano. Não passou. Iniciei em Fevereiro de 2011.

Desde criança sempre fui muito aplicado aos estudos e na igreja que frequentava então, eu percebia que não se questionava muito certos ensinos, o que me deixava muito triste porque eu tinha sede de aprender, de entender, de conhecer melhor. Esse espírito juvenil de questionador sempre esteve comigo!

A vida religiosa, pensava eu, não deveria ser pautada apenas no "subjetivo", do tipo: eu sinto, eu acho que, eu ouvi assim e penso que deve ser assim, porém baseado em entendimento bíblico fundamentado. Algo sólido, algo em que pudéssemos nos apoiar.

Por que praticamos isto? Porque a bíblia  de acordo com certas regras nos ensina como se deve praticar isto! O contrário também é válido. Não praticamos isto, porque pesquisamos e compreendemos que não há necessidade de tal prática. Estes são exemplos bem ínfimos do que estou tentando afirmar.

Como criança e depois adolescente, buscava por mim mesmo realizar um estudo com algumas bases que encontrei sozinho, como por exemplo, deixar que a própria bíblia se auto-interpretasse. Eu sempre procurava encontrar paralelos onde uma passagem pudesse ser compreendida em outra. Aprendi a usar as referencias bíblicas ao rodapé, onde algumas passagens se conectavam à outras e assim fui aprendendo. Meus esforços foram recompensados.

Adquiri conhecimento bíblico, uma formação moral bíblica sólida e um carinho e respeito profundo pelas escrituras. Conhecer O Jesus da bíblia foi como encontrar uma pérola em alto mar.

Às vezes me perguntam: Por que você questiona demais a bíblia? Eu respondo: Não questiono a bíblia, mas o que dizem sobre ela. Eu questiono a interpretação que grupos religiosos e pessoas dão à bíblia. Teólogo faz isto, além de outras coisas.

O que é teologia?

Teologia ( theos = "divindade" + logos = "palavra", por extensão, "estudo, análise, consideração, discurso sobre alguma coisa ou algo"), no sentido literal, é o estudo racional e sistemático acerca da divindade (sua essênciaexistência e atributos). Pode também referir-se a uma doutrina ou sistema particular de crenças religiosas - tal como a teologia judaica, a teologia cristã, a teologia islâmica e assim por diante.

De acordo com a definição hegeliana (Hegel, filósofo e teólogo alemão), a teologia é o estudo das manifestações sociais de grupos em relação às divindades. Como toda área do conhecimento, possui então objetos de estudo definidos. Como não é possível estudar Deus diretamente, pois somente se pode estudar aquilo que se pode observar e se torna atual, o objeto da teologia seriam as representações sociais do divino nas diferentes culturas.

Assim, a teologia pode referir-se a várias religiões. Existem, portanto, a teologia hindu, a teologia judaica, a teologia budista, a teologia islâmica, a teologia cristã (incluindo a teologia católica-romana, a teologia protestante, a teologia mórmon e outras), a teologia umbandista e outras. [1]


Por que Teologia?

Sinceramente, não sei. Está no meu DNA. Eu sempre fui inclinado a estudar teologia, sempre. Está no sangue, está no coração. Eu precisava um dia encontrar um lugar onde este desejo pudesse ser realizado. Encontrei. Foi tão bom, que ano que vem vou partir para a especialização...O mestrado em exegese do Antigo Testamento.

O INSTITUTO AVANÇADO DE TEOLOGIA MIESPERANZA - RIO DAS OSTRAS foi o local onde aprendi a fazer e viver TEOLOGIA. Tive a honra de encontrar colegas e mestres de todos os tipos e padrões, e em especial não poderia deixar de citar o excelente mestre que tive ao longo destes três anos, o Dr. Zilmar Ferreira Freitas, doutor em teologia e Psicanálise. 

Excelente professor, profundo em suas abordagens, crítico do atual sistema religioso e acima de tudo, uma pessoa que respeita e auxilia profundamente seus alunos. Aprendi muito com este homem.

Tive colegas de classe excepcionais com os quais aprendi muito também. Em especial, cito o meu amigo Marcos Cavararo, que é batista confessional, mas é crítico do sistema religioso atual e faz teologia com seriedade, além de possuir uma memória notável. Com ele tive muitas afinidades e um profundo respeito.


Objetivos Claros?

Sim, aprender a aprender para ensinar corretamente. A verdade bíblica  e os aspectos religiosos não podem ser ensinados por quem não entende seus pressupostos. Ainda existem muitas coisas importantes a serem descobertas na palavra de Deus e o teólogo sério e comprometido irá buscar tudo isto para iluminar a vida das pessoas que necessitem de luz. 

Todas as ferramentas importantes para que isto ocorra, o teólogo irá utilizar, pois ele lida com almas humanas e como dizia JUNG, ao lidar com uma alma humana, seja outra alma humana.

O teólogo é uma pessoa que pesquisa, estuda, compara os diferentes aspectos, sejam sociais, psicológicos, antropológicos e suas relações com as diferentes religiões e as relações com a Divindade. Acima de tudo, ele é uma pessoa que respeita profundamente as divergências religiosas, pois sabe que a religião é um aspecto da psique humana. 

Enfim, a teologia está no coração. Na mente. Na vida. Faz parte de mim, inseparável. 

Espero que o próximo ano me traga muitas bênçãos, como as que recebi ao longo destes três anos que passou. E que meus objetivos nesta área tão nobre, tao essencial, possa ser efetivada na minha vida e na vida daqueles que compartilharão suas experiencias comigo.

Espero utilizar o conhecimento teológico de uma forma bem abrangente e que seja de forma a beneficiar todas as pessoas, servindo-as e auxiliando-as a compreender os mistérios da criação Divina e sua própria experiencia religiosa.



Para meditar

"Deus cria à partir do nada. Portanto, enquanto um homem não for nada, Deus nada poderá fazer com ele" [2]



MARCELO VALLE




NOTAS

[2] Martinho Lutero

domingo, 22 de dezembro de 2013

Em que sentido Cristo foi tentado? Uma reflexão!


Inicio esta reflexão com uma pergunta: Será que a tentação de Cristo no deserto serve de modelo para a nossa tentação diária? Em que sentido?

A cristandade de modo geral aponta a tentação de Cristo como um suposto modelo para a tentação dos cristãos por Satanás. Mas, paradoxalmente, reconhecem, mesmo que implicitamente, que nenhum cristão jamais experimentou uma tentação de igual nível.

Um ponto importante a ser destacado é que nos relatos sinóticos da tentação, os textos nos dão algumas informações que na atualidade os cristãos passam ao largo, sem nenhuma percepção. Comparem:

1 - Mateus 4:1,2 (AA) - Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo Diabo. E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome.


2 - Lucas 4:2,3Jesus, pois, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão; e era levado pelo Espírito no deserto, durante quarenta dias, sendo tentado pelo Diabo. E naqueles dias não comeu coisa alguma; e terminados eles, teve fome.


3 - Marcos 1:12,13Imediatamente o Espírito o impeliu para o deserto. E esteve no deserto quarenta dias sendo tentado por Satanás; estava entre as feras, e os anjos o serviam.



Mateus parece nos dizer que a tentação só começou após os 40 dias. Compreendam que o advérbio "depois" indica tempo da ação ocorrida. 

Os textos de Lucas e de Marcos se complementam e informam que a tentação ocorreu "durante" os 40 dias que Cristo esteve no deserto. Ou seja, podemos deduzir que Cristo não se ausentou do deserto enquanto sofreu a tentação.


Estes textos são ricos em detalhes que se fossem apresentados aqui demandaria muito espaço e mais produção de textos explicativos. O que pretendo, porém, é focar apenas em dois pontos

1 - Que Cristo não se ausentou do deserto durante a tentação;
2 - Que esta tentação não foi feita por um ser sobrenatural.

Entendam bem que não estou "negando" a tentação de Cristo por "satanás". Estou "negando" que este "satanás" teria sido o anjo rebelde que caiu do céu e exporei minhas razões.

Muitos lêem e eu mesmo já fiz essa leitura do texto, sempre entendendo que na sequencia do relato os evangelistas mostram que Jesus vai a diversos lugares sendo levado por Satanás. Mas, se entendermos dessa forma, o contexto fica sem sentido. E por quê?

Ora, Se Jesus "não" se ausentou do deserto (compare os 3 relatos acima), como poderia ter sido levado ao "pináculo do templo em Jerusalém" e  ao "monte muito alto", onde viu todos os reinos do mundo?

Reflita por um instante, que distancia aproximada teria do deserto da Judéia onde Cristo estava, até o templo de Jerusalém? Você como cristão admitiria que Deus permitiu ao seu maior inimigo carregar o Seu próprio Filho nesta distancia? Será que ninguém em Jerusalém teria presenciado tal fato?

Reflita por um instante, que "montanha" elevada seria esta, onde de seu topo Cristo poderia contemplar de um relance, todos os reinos do mundo? Sem contar, é claro, que o suposto anjo tentador oferece a Jesus algo que não lhe pertenceu? Onde está escrito que os reinos do mundo pertencem ao anjo do mal? 

O livro de Hebreus mostra um notável paralelo entre a humanidade de Cristo e a nossa em profunda relação de natureza. Se o processo de tentação de Cristo fosse diferente do nosso, ou o nosso fosse diferente do de Cristo, ele jamais poderia ser qualificado como nosso Sacerdote. 

Veja abaixo os dois relatos de Hebreus:

Hebreus 2:17,18 - Pelo que convinha que em tudo fosse feito semelhante a seus irmãos, para se tornar um sumo sacerdote misericordioso e fiel nas coisas concernentes a Deus, a fim de fazer propiciação pelos pecados do povo. Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados.


Hebreus 4:15 - Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado.



Hebreus 2:17,18 diz que Cristo sofreu a tentação, a fim de identificar-se com a nossa tentação e Hebreus 4:15 afirma claramente que o processo da tentação de Cristo era idêntico ao nosso (como nós, em tudo foi tentado). 


Estas declarações não podem ser verdade, se Cristo foi tentado pelo diabo, de forma totalmente diferente do processo da tentação a que estamos sujeitos. 
Se o ponto de vista "ortodoxo" de satanás for verdade, então devemos experimentar o mesmo processo da tentação como se supõe ter ocorrido com Cristo - um ser sobrenatural literal e visível que vem até nós e nos atrai em uma conversa, num esforço para nos levar ao pecado. É fato que se tivermos que cumprir as escrituras, neste sentido nossa vida ficaria defeituosa.

Considere também o seguinte: Por que Cristo acharia atraente um tipo de tentação como o cristianismo ortodoxo ensina? Sabendo que diante de si estava um anjo mal induzindo-o a errar, ele realmente sucumbiria diante desta tentação? Conhecendo que "o anjo mal" está diante de você querendo tentá-lo, você cairá diante dos argumentos dele? 


Duncan Heaster, em seu livro - The Real Devil -  nos informa o seguinte:

"Parece improvável que várias vezes o diabo tenha levado Jesus através do deserto e nas ruas de Jerusalém e depois escalado o pináculo do templo juntos, tudo em vista dos judeus curiosos. Josefo não faz registro de nada parecido com isso acontecendo e provavelmente teria causado uma grande celeuma. 

Da mesma forma, se essas tentações ocorreram várias vezes no prazo de 40 dias, bem como no final desse período (o que ocorreu pelo menos duas vezes, Mateus e Lucas os tem em ordem diferente), como é que Jesus teve tempo para subir a montanha mais alta ( o diabo "levou" Jesus, que poderia ter sido o monte Hermon, no extremo norte de Israel), escalando até o topo e voltando ao deserto novamente? 
Todas as tentações ocorreram no deserto e lá permaneceu por 40 dias - Ele estava lá durante quarenta dias, sendo tentado o tempo todo pelo diabo (ele só saiu no final -. Mateus 4:11). Se Jesus foi tentado pelo diabo a cada dia, e as tentações só ocorreram no deserto, então segue-se que Jesus não poderia ter deixado o deserto para ir a Jerusalém ou percorrido uma alta montanha. Estas coisas, portanto, não poderiam  ter literalmente acontecido com Cristo".

O que as pessoas não compreenderam ainda, é que todo o processo de tentação que o ser humano sofre está na dimensão pessoal, psicológica. Não existe tentação que não proceda de dentro de você e que para ser completa, ela precisa encontrar resposta dentro de você, a priori.
O próprio Jesus ensina que de dentro do coração (mente) dos homens procedem toda espécie de males: 

Faça uma leitura atenta destes dois textos abaixo e veja quão claramente o ensino da bíblia refuta a ideia de que a fonte da tentação seria um ser sobrenatural do mal, externamente. São eles:


Marcos 7:21-23 - Pois é do interior, do coração dos homens, que procedem os maus pensamentos, as prostituições, os furtos, os homicídios, os adultérios, a cobiça, as maldades, o dolo, a libertinagem, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a insensatez; todas estas más coisas procedem de dentro e contaminam o homem.

Tiago 1:14,15 - Cada um, porém, é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência; então a concupiscência, havendo concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte.


Eu grifei intencionalmente as palavras "soberba" e "cobiça" em Marcos, por entender que Cristo sofreu isto também durante sua vida e não somente no deserto. 
Em Tiago, a expressão "Cada um" mostra que o processo de tentação é o mesmo para qualquer homem ou mulher. Ele se dá internamente (sua "própria" concupiscência).

Jesus para ter sido nosso sumo-sacerdote, tentado em tudo como nós, com certeza passou pelo processo de ter que rejeitar  a cobiça e a soberba de como Filho de Deus achar que tinha privilégios maiores que os nossos. Pelo contrário, humildemente se colocou na posição de Servo. Aqui, a Cristologia de filipenses 2:5-10 ganha sentido.

Quem ou o que tentou Cristo no deserto?

O Vocábulo "satanás" é frequentemente mal compreendido e adotado no meio cristão como nome pessoal de um suposto anjo rebelde, inimigo de Deus. Atente para as definições abaixo:

De acordo com Scharf-Kluger, a palavra satan, em sua forma verbal significa literalmente perseguição por meio do impedimento de se fazer um movimento livre para frente. Como substantivo significa um adversário ou um acusador. Assim a palavra era de uso frequente na linguagem coloquial. De fato o próprio Yahvéh (ou o anjo de Yahvéh) pôde provar-se como um adversário (satan) para o homem, como vemos na narrativa de Balaão em Números, capítulo 22. (SCHARF-KLUGER? apud SANFORD, 1988, p. 42, grifos nossos).


As palavras derivadas do termo hebraico “satan” aparecem 33 vezes, em 28 versos do texto hebraico do Antigo Testamento, geralmente com o sentido de “oposição, obstrução ou adversário”. Como essas, as demais indicam um adversário ou ideia semelhante, sem qualquer carga pessoal no vocábulo ou indicação de personagem celestial. O termo funcionava como um adjetivo usado com referencia a pessoas ou realidades que se opunham. (MIRANDA, 2007, p.16,17, grifos nossos).

Se entendermos que Cristo era um ser humano como nós, foi tentado em tudo como nós, conforme os textos citados acima em contexto, e depois de conhecer o verdadeiro significado do vocábulo "satan", é certo que esta tentação se deu na própria mente de Jesus, internamente.

É improvável que este relato tenha sido projetado para ser um verdadeiro encontro entre um ser "adversário de Deus" e Jesus, porque as escrituras hebraicas que são o modelo de compreensão sobre satan no antigo testamento, não mostram nenhuma doutrina acerca de satan como ser sobrenatural do mal. Faz sentido entender que tudo se dá na mente de Jesus, principalmente por entender que é o próprio "Espirito de Deus" que o impele a tentação. Ora, poderiamos conceber uma ação conjunta entre Deus e o suposto anjo mal para tentar seu Filho? Claro que não!

Vou deixar intencionalmente muitas questões em aberto, para aguçar o desejo daquele que se interessar, em tentar encontrar nas escrituras as respostas às questões aqui abordadas.
Respondendo portanto à questão colocada inicialmente: Será que a tentação de Cristo no deserto serve de modelo para a nossa tentação diária? Em que sentido?

Ela é exatamente igual à nossa se Cristo sofreu o mesmo processo que sofremos diariamente, onde as tentações se dão na dimensão psicologica. Á maneira ortodoxa ensinada, jamais poderemos ser tentados como Cristo o foi.


"As tentações foram controladas por Deus para a educação espiritual de Cristo. Os trechos biblicos citados por Jesus fortaleciam-no contra os seus desejos ("Diabo") e todos pertencem à mesma parte do Deuteronômio, referindo-se a experiência de Israel no deserto. Jesus viu claramente um paralelo entre sua experiência e a deles" (Duncan Heaster - The Real Devil).



Marcelo Valle 




NOTAS: