1 - INTRODUÇÃO
Este documento é um estudo que procura se
basear unicamente na estrutura do texto que trata da concepção virginal de
Jesus nos evangelhos de Mateus e Lucas, relacionando-o com a genealogia
apresentada pelos evangelistas e o conceito de Filiação Divina em diversas
correntes de pensamento. Por outro lado, também tem o interesse de suscitar
questões a fim de serem esclarecidas.
Este é um tema “complexo”, mas não difícil, principalmente
porque nossas concepções doutrinárias infelizmente carregam ainda o peso da
tradição, que se arrasta desde o 2º Século, quando entraram em cena os chamados
“pais da Igreja”, homens que embora possuíssem muita sabedoria, acabaram por
mesclar conhecimento bíblico com idéias da filosofia grega. Nós, estudiosos da
bíblia, devemos “pesar” as conseqüências deste ato ao interpretar as
escrituras. Quem quiser levantar críticas e objeções, saiba desde já que serão aceitas
e muito bem vindas e que por isso também me dará o direito de apresentar uma
réplica de igual intensidade. Este é o objetivo do ensaio sobre a concepção
virginal.
O homem que apenas crê e não procura refletir, se esquece de que é alguém constantemente exposto a duvida, seu mais íntimo inimigo, pois onde a fé domina ali também a dúvida está sempre à espreita. Para o homem que pensa, porém, a dúvida é sempre bem recebida, pois ela lhe serve de preciosíssimo degrau para um conhecimento mais perfeito e mais seguro. [1]
O pensamento da geração divina na virgem não só é alheio ao AT e ao judaísmo, mas é também impossível na sua esfera. [2]
2 – QUAL O OBJETIVO DAS GENEALOGIAS?
A genealogia é uma ciência auxiliar
da história que estuda a origem, evolução e disseminação das
famílias e respectivos sobrenomes ou apelidos. A definição mais
abrangente é “estudo do parentesco”. Como ciência auxiliar, desenvolve-se no âmbito
da “História de Família”, onde é a peça fundamental subsidiada por outras
ciências, como a Sociologia, a economia, a história da arte ou o direito. É
também conhecida como “ciência da História da Família”, pois tem como objetivo
desvendar as origens das pessoas e famílias por intermédio do levantamento
sistemático de seus antepassados ou descendentes, locais onde nasceram e
viveram e seus relacionamentos inter-familiares. [3].
Genealogia deriva da raiz “GEN”
– significando nascimento, descendência (nobre) e depois família, raça (isto é, aqueles que são vinculados por uma origem comum).
(Grifos Meus).
A genealogia em Mateus tem sua situação
histórica mais natural na especulação genealógica e messiânica do judaísmo,
conforme é conservada na literatura intertestamental e rabínica. Não era
costume judaico seguir a linhagem da pessoa pelo lado materno e, portanto
semelhante registro não teria sido conservado para Maria. Este fato se percebe
tanto nos pormenores do texto de Mateus 1:1-17 quanto na disposição global.
Além disto, os temas e a função da genealogia acham paralelos na narrativa. [4]
O objetivo primordial de Mateus, a meu ver,
encontra-se logo no inicio do capítulo e é a chave para se compreender a estrutura
tanto da genealogia quanto do livro em sua totalidade. Mateus apresenta logo no
início o “personagem da genealogia”, apontando para dois outros “personagens
principais”: Abraão e Daví. Sendo Abraão o patriarca do povo judeu e Davi o
rei de Israel e fundador da dinastia real, estes dois são os principais
depositários das promessas relativas ao Messias. Ambos foram o que foram a
partir de uma “promessa de Deus”. Veja Genesis
22:18 e 2 Samuel 7:12 – 14.
Diante
do exposto acima com relação à função da genealogia e do personagem da
genealogia (vide as quatro versões abaixo), qual seria a intenção de Mateus
(pressupondo-se que ele redigiu o texto como se encontra em nossas versões
atuais) em registrar uma genealogia, se chegando ao personagem principal, que é
o objeto da genealogia – JESUS – este não teria sido gerado da forma comum?
A
forma atual de Mateus 1:16 deveria
pelo menos seguir o ritmo anterior, com o uso comum da formula “A
gerou B, que gerou C”, descrevendo assim: “E José gerou Jesus, que se chama
O Cristo”. A atual redação transforma a paternidade de José em mera paternidade
adotiva, esvaziando a genealogia do seu sentido original e despojando-a
até de sua finalidade principal tornando-a supérflua e sem sentido.
Dito isto, levantaremos uma questão: A passagem de Mateus 1:16-25 (na forma atual) poderia ser considerada uma interpolação tardia? Se o auditório de Mateus eram os judeus (creio que todos concordam com isto) e o objetivo era provar a messianidade de Jesus em sua origem comum com os patriarcas Abraão e Daví (v. 1), não haveria incompatibilidade entre a narrativa da concepção virginal e a genealogia? Se não há incompatibilidade, qual a explicação teológica plausível?
Confira Mateus 1:1 em versões
distintas:
> Livro da geração de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão (Almeida Corrigida Fiel);
> Registro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão: (Nova Versão Internacional)
> Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão: (Bíblia da CNBB)
>Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão (Almeida Imprensa Bíblica);
>Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão. (Bíblia de Jerusalém. 3a. Impressão. Paulus 2004).
Abraão e Davi são destacados como pontos
essenciais no desenvolvimento genealógico da linhagem de Jesus. “Filho de
David” ressalta o messiado real e “Filho de Abraão”, que também é um título
messiânico, ressalta a origem de Jesus dentro da nação e da fé judaicas; Ele (O
Messias) é a verdadeira descendência de Abraão em quem se cumprem as promessas
de Deus. As genealogias começaram a aparecer depois do exílio da babilônia e
eram comuns entre os judeus do tempo de Jesus. Usavam-nas para guardar suas
histórias, suas origens e sua própria identidade.
2.1 – VIRGEM OU JOVEM MULHER?
A
leitura de “virgem”, em Mateus 1:23, é aquela da versão septuaginta grega e a
glosa de Mateus, ao interpretar o nome simbólico Emanuel como um indicador da
natureza sobre-humana do filho milagroso, implica igualmente que uma leitura
não-judaica estava sendo considerada. Judeus teriam sabido que o nome Emanuel
(Deus está Conosco) significava não a encarnação de Deus em forma humana, mas
uma promessa
de ajuda divina ao povo judeu. Leitores familiarizados com o hebreu
Isaías ficariam perplexos com o argumento de Mateus porque a palavra usada pelo
profeta do Antigo Testamento foi “jovem mulher” (em hebraico “almah”) e não
“virgem” (em hebraico “bethulah”). Uma jovem engravidando não é a mesma coisa
que uma concepção virginal. A interpretação ardilosa de “almah” como
“parthénos” (virgem, donzela) foi corrigida nas traduções gregas posteriores
(primeiro ou segundo século D.C) de Isaías; Todas trocaram a “jovem menina”
(neánis) pela “virgem” (parthénos) da versão septuaginta. Em linguagem clara, a
genealogia e a narrativa do nascimento por Mateus refletem uma imagem de Jesus
nascido de uma virgem que foi criada exclusivamente e só tinha sentido para a
igreja helenista. [5].
Segundo
o Professor Fábio Sabino (Th. D), o termo traduzido como “virgem”
gera sérios problemas na interpretação do significado do texto. Ele diz:
“O vocábulo que está no texto hebraico de
Isaías 7:14 é - haAlmah, que significa: “a jovem”, “a moça” ou “a donzela”. A
tradução literal da passagem deve ser a seguinte: “Portanto Ele – YHVH - vos dará um sinal: eis que a jovem grávida – dada um filho – lhe deu por nome
Imanuel”. As versões em português como a ARA, ARC e ACF, não acompanham o texto
hebraico e este mesmo vocábulo – haAlmah - é atestado em outras passagens nas quais não conota
virgindade (estrita)”.
Com
relação ao vocábulo grávida, outro importante vocábulo que está no texto, diz o
professor:
“O vocábulo – Haráh
- significa grávida ou conceber,
nas versões em português seu uso está equivocado, pois foram traduzidas com
sentido de verbo de modo a enfatizar sua ação em tempo futuro (ficará grávida),
sendo que o sentido é de adjetivo e tempo presente. A raiz desta palavra é
usada também para descrever relações sexuais. Ex.: 1 Sm. 4:19; 2 Sm. 11:5; Is.
26:17”.
Continuando,
o professor diz:
“Outro vocábulo importante a ser analisado no texto é o vocábulo - “veiledet” - que significa simplesmente “dada”. Todas as versões em português trazem o verbo no tempo futuro, (dará a luz), porém, no hebraico o verbo está no particípio, adquirindo, portanto uma ação já acabada, finalizada”. O texto de Isaías 7:14 não tem nenhuma conotação messiânica.
“Outro vocábulo importante a ser analisado no texto é o vocábulo - “veiledet” - que significa simplesmente “dada”. Todas as versões em português trazem o verbo no tempo futuro, (dará a luz), porém, no hebraico o verbo está no particípio, adquirindo, portanto uma ação já acabada, finalizada”. O texto de Isaías 7:14 não tem nenhuma conotação messiânica.
O
exegeta J. M. Asumendi (professor do Instituto Católico de Paris), responde:
“Alguns séculos mais tarde, a tradução grega chamada
dos Setenta (Septuaginta), traduz o termo por “PARTHENOS” que quer
dizer virgem. Quando foi escrito Isaías 7:14 não tinha o sentido messiânico,
foi só com a tradução grega que ele ganhou essa dimensão”.
C. Perrot, especialista da Literatura Israelita acrescenta:
“A jovem – em hebraico Almáh - designa a esposa do rei. A linhagem de Davi não se interromperá e Ezequias, filho de Acaz, consolidará a promessa davídica. É difícil saber em que época foi dada a este versículo uma interpretação messiânica; mais difícil ainda é saber por que a tradução grega dos Setenta – desde o século II a.E.C. – traduziu o termo Almáh por Parthenos, a “virgem”. Esperaria a tradição judaica de Alexandria o nascimento virginal do Messias? Seria talvez pretender demais. Diríamos antes que o Messias era esperado de uma intervenção de Deus, mas sem que isso significasse necessariamente uma interrupção na descendência de Davi”.
Muitos
cristãos ousam responder afirmando que a profecia teve dois cumprimentos, um no
tempo do rei Acaz e outra vez no tempo de Jesus.
A
profecia era de que a jovem daria a luz a uma criança e
lhe poriam o nome de Emanuel e que quando essa criança soubesse distinguir
entre o bem e o mal, Judá não mais seria ameaçada pelos dois reis. De que modo
essa profecia se encaixa em Jesus? Esse versículo nunca é citado no contexto
porque nada mais da profecia bate com Jesus, a não ser a equivocada tradução da
palavra haAlmah, como mostramos acima. O menino Emanuel veio como sinal para o
Rei Acaz de que Israel não seria atacado pelos dois reis.
“Pois
antes que o menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem, será desolada a terra
dos dois reis perante os quais tu tremes de medo”. Isaías 7:16
Onde
isso se encaixa na historia de Jesus? Será que a profecia sobre Jesus se resume
a apenas ao versículo 14?
A
única chance de parecer que essa profecia fala de Jesus é:
1°
- Traduzir Almah (Moça) como virgem. O que já se provou ser completamente
errado;
2°
- Desconsiderar todos os versículos que dão contexto à profecia. (todos
imediatamente anteriores e posteriores).
Esta
profecia, portanto não deve ser usada para “provar” a concepção virginal de
Jesus, embora em nossas bíblias esteja redigido dessa forma. A profecia se
cumpriu nos tempos do profeta mesmo. Veja Isaías
8:3,4.
3
– APONTANDO ALGUMAS DIFERENÇAS RELEVANTES
Com
relação ao Evangelho de Lucas (Lucas
3:23-38), percebemos que a referida genealogia é diferente e oposta, a meu
ver, à descrita por Mateus. Lucas ascende de Jesus até Adão. Muitos afirmam que
se trata da genealogia de Maria, mas parece-me que Lucas não pensava assim,
porque logo de inicio menciona o nome de José, que analisado em contexto imediato
(Lucas 2), verifica-se ser o seu pai [não-adotivo]. Além do mais, se a
genealogia em Lucas fosse de fato a de Maria, era presumível que o nome dela
aparecesse, afinal, Mateus não se sentiu desconfortável em mencionar em sua
genealogia três mulheres, além de Maria. Se a genealogia de Lucas é a de Maria,
convido aos leitores que produzam uma prova que confirme tal afirmação. Observe
também que se nesta genealogia, José não fosse de fato o pai de Jesus, ela não teria
sentido. A afirmação de Lucas mostra positivamente que ele era realmente o
filho de José. Ele certamente sabia que Jesus era “como se supunha” o filho de José. Se Lucas tivesse a intenção de
contrariar esta situação, o mais correto seria ter dito “não sendo o que ele deveria ser - o filho de José”. Por outro
lado, se você negar que José era o pai de Jesus, como se pode provar sua
descendência de Davi?
A
genealogia de Lucas coloca como ascendente de Jesus a Natã, o irmão de Salomão
(Lucas 3:31). Qual a explicação plausível, se a promessa messiânica em Lucas
1:32 e 33 se refere exclusivamente à Salomão e não à Natã (Veja 2 Samuel 7:12 -
14 e 1 Crônicas 22:9,10 e 28:6,7)? Os descendentes do meu irmão podem ser os
meus descendentes? Em que sentido isto se daria, se fosse possível?
Analisem e
observem se entre Lucas 1:32, 33 e Lucas 3:31 não há contradições com relação
ao herdeiro do Trono de Davi! Toda esta problemática que estamos levantando, é
para fazer com que os leitores busquem compreender os pormenores das narrativas
genealógicas e visualizem contradições com as promessas messiânicas descritas
no Antigo Testamento.
“Poderíamos esperar por isso: depois do fim
da vida terrestre de Jesus e do desaparecimento das ultimas testemunhas
oculares, cada um tem a tendência de se representar o “seu” Cristo. Já é
verdade a respeito dos quatro evangelhos, que propõem tantos retratos de Jesus.
É ainda mais verdade no século II: há um verdadeiro desenvolvimento dos
conceitos e dos discursos sobre Cristo, de acordo com as origens culturais e
religiosas, com a sensibilidade dos novos fiéis. Talvez já seja contra essa
maneira de ver Cristo que os evangelhos da infância (Mateus 1-2, Lucas 1-2)
foram redigidos: antes do relato do batismo quiseram acrescentar alguma coisa sobre
o nascimento de Jesus, para mostrar que, já no seu próprio ser, ele não é um
homem como os outros: são os relatos
da concepção virginal. A relação de Jesus com Deus está inscrita no seu
ser, não é apenas uma questão de missão recebida ou de função exercida em um
dado momento”. [6]
Passagens
relevantes do Novo Testamento nos mostram algumas expressões categóricas que
são incompatíveis com a idéia da concepção virginal: É possível que Lucas
tivesse escrito o que se segue, à luz da concepção virginal?
Lucas
2:27 – os pais trouxeram o
menino;
Lucas
2:33 – O pai e a mãe do
menino estavam admirados......
Lucas
2:41-43 – Seus pais iam a
Jerusalém....Permaneceu em Jerusalém sem que seus pais o soubessem.
Lucas 2:48 – Teu pai e eu estamos à tua procura.....
Lucas 2:48 – Teu pai e eu estamos à tua procura.....
É também manifesta a ignorância (desconhecimento) de Maria e seus familiares, que segundo Marcos 3:21; 31-35, ao ouvirem dizer que Jesus estava fora de si, saíram a busca dele, se à luz da concepção virginal, Maria tivesse conhecimento da natureza divina de Seu Filho. Por que o teria considerado como “fora de Si”?
A
questão dos nazarenos: “Não é este o filho de José”? (Lucas 4:22). O autor em
vez de refutar essa opinião, à luz da concepção virginal, parece
compartilhá-la. Além disso, a passagem de Isaías 61:1 lida e comentada por
Jesus, refere-se não à uma filiação divina, mas à sua unção profética.
Como
podemos explicar, por exemplo, a cena da purificação (Lucas 2:22-24) e a admiração de José e Maria às palavras de
Simeão (Lucas 2:33) e às palavras que Jesus dizia (Lucas 2:50), sob a ótica da concepção virginal? Percebam que a
ALMEIDA ATUALIZADA traduz o v. 33 como “o pai e a mãe do menino admirados do que
dele se dizia”.
Por
que José e Maria deveriam se admirar, se sabiam que Seu Filho teve origem sobrenatural?
Não é estranho Jesus não fazer qualquer alusão à sua origem sobrenatural, para
melhor acreditar sua missão e para fazer frente aos que o desprezaram?
Se
alguém mencionar a passagem de João 6 (o
pão vivo que desceu dos céus) como prova, deve ponderar seus argumentos à
luz de todo o contexto da discussão dele com os judeus e o sentido simbólico
dos termos utilizados por Jesus. Se ao Jesus dizer que desceu do céu (João
6:38), significa que ele “literalmente” teria feito isto, o mesmo critério
então deve ser utilizado para a afirmação de que este pão era “sua carne” e que
se eles não comessem dessa “carne e sangue” não teriam vida neles mesmos. (João
6: 51-54). Podem ser considerados literais estes discursos? Jesus estaria
ensinando o canibalismo?
Alguém
argumentaria a favor de que a “carne e o sangue” de Cristo teria literalmente
descido dos céus? Vide João 6:51 e 58.
Em Mateus 22:41,42, o próprio Jesus
interroga aos fariseus, perguntando-lhes:
Que pensais vós do Cristo? De quem é
filho? Eles disseram-lhe: De Davi.
Ora, os judeus jamais diriam que O Messias não seria Filho (descendente) de Daví, pois eles viviam isso diariamente. Mas, vamos olhar para essa questão com mais cuidado.
Ora, os judeus jamais diriam que O Messias não seria Filho (descendente) de Daví, pois eles viviam isso diariamente. Mas, vamos olhar para essa questão com mais cuidado.
Todos
compreendem que os fariseus deram uma resposta bíblica para a primeira pergunta
no versículo 42. “De quem ele é
Filho? Eles disseram-lhe: de Daví”. Mas, à segunda pergunta eles não
responderam, a do v. 45: “Se Davi, pois,
lhe chama Senhor, como ele é seu filho? Nem Jesus oferece nenhuma
explicação.
As
escrituras, no entanto, nos proporcionam a solução desta dificuldade
aparente. Atenção deve ser dada ao que é dito nos versículos 43 e 44: “Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à
minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés”?
Jesus
tornou-se filho de Davi, por
descendência natural através de José, e seu Senhor através da morte, ressurreição e imortalização. A Vontade de
seu Pai foi que fizeram dele o “Senhor e Cristo”. Veja Atos 2:30-36. Isto
pode ser atestado em outra passagem também:
João
7:41,42, que diz: Outros diziam: Este é o Cristo; mas diziam
outros: Vem, pois, o Cristo da Galiléia? Não diz a Escritura que o
Cristo vem da descendência de Davi, e de Belém, da aldeia de onde era Davi?
Veja, no último livro da bíblia, como o Senhor se auto-designa:
Apocalipse
22:16 - Eu, Jesus, enviei o meu anjo para dar a vocês este
testemunho concernente às igrejas. Eu sou a Raiz e o Descendente (Gr. Genos)
de Davi, e a resplandecente Estrela da Manhã.
Estas palavras poderiam
designar alguém que teve na verdade uma origem sobrenatural?
Segundo
o Dr. Bart Ehrman, muitas alterações foram efetuadas no NT a fim de favorecerem
determinados grupos e determinadas teologias. Essas alterações são denominadas
por ele como alterações textuais teologicamente motivadas. Ele diz:
“Durante os séculos II e III, contudo, não
havia acordo quanto a um cânon – nem acordo quanto a uma teologia. Em vez disso
havia um amplo leque de diversidade: diversos grupos afirmando teologias
diversas baseadas em diversos textos escritos, todos reivindicando terem sido
escritos pelos apóstolos de Jesus. Alguns desses grupos insistiam em que Jesus
Cristo era o Filho Único de Deus, que era, ao mesmo tempo, completamente humano
e completamente divino; Outros grupos insistiam em que Cristo era completamente
humano, mas não era divino de todo; Outros defendiam que ele era completamente
divino, mas não integralmente humano; E outros ainda afirmavam que Jesus era as
duas coisas – um ser divino (Cristo) e um ser humano (Jesus)”.
O
grupo que se estabeleceu como “ortodoxo” (o que significa que detinha o que ele
mesmo considerava como a “reta crença”) determinou aquilo em que as gerações
cristãs futuras acreditariam e que leriam como escrituras.
O
Dr. Ehrman examina a questão das disputas onde houve as discordâncias textuais
e afirma o seguinte:
“Alguns grupos cristãos dos séculos II e III
tinham uma visão “adocionista” de Cristo. Esta visão é assim chamada porque
seus adeptos afirmavam que Jesus não era divino, mas um ser humano de carne e
ossos a quem Deus adotara como seu Filho, provavelmente por ocasião do batismo.
Este grupo afirmava que Jesus não era ele mesmo divino, mas um ser humano que,
em natureza, não era diferente do resto de nós: nascera da união sexual de seus
pais, José e Maria, como qualquer outra pessoa (sua mãe não era uma virgem) e
depois fora criado em uma casa judia. Deus o adotou como Filho por ocasião do
seu batismo, quando uma voz veio dos céus anunciando ser ele filho de Deus.
Em resposta a essa perspectiva
adocionista, os cristãos proto-ortodoxos insistiam em que Jesus não era
“meramente” humano, era realmente divino e em certo sentido o próprio Deus.
Nasceu de uma virgem, era mais justo que qualquer outro ser porque era
diferente por natureza e, por ocasião de seu batismo, Deus não o tornou seu
filho (via adoção), mas simplesmente
declarou que ele era seu filho, dado que sempre o fora, desde os tempos eternos.
O que encontramos foram passagens nas
quais os textos foram alterados, de modo a se oporem a uma cristologia
adocionista. Essas mudanças enfatizam que Jesus nasceu de uma virgem, não foi
adotado em seu batismo e era propriamente Deus.
Mudanças foram introduzidas nos
manuscritos que registram o inicio da vida de Jesus no Evangelho de Lucas. Em
determinada passagem, diz-se que quando José e Maria levaram Jesus ao templo e
o santo homem Simeão o abençoou, “seu
pai e sua mãe ficaram maravilhados com o que se dizia dele” (Lucas
2:33). Seu pai? Como o texto poderia chamar José de pai de Jesus se Jesus
nascera de uma virgem?Por isso não é surpresa que muitos copistas mudaram o
texto para eliminar o potencial problema, dizendo: “José e sua mãe ficaram maravilhados”. Agora o texto não
poderia ser usado por um cristão adocionista em defesa da posição de que José
era o pai da criança”.
As
versões em português que trazem esta tradução para Lucas 2:33, são:
E
José, e sua mãe, se maravilharam das coisas que dele se diziam. (ACF)
José
e Maria se maravilharam das coisas que dele se diziam (ARC)
“Fenômeno similar ocorre poucos versículos
adiante (Lucas 2:43), no relato de Jesus aos doze anos no templo. O texto diz:
“Sem que seus pais o
soubessem”. Mas por que o texto fala de seus pais quando José não é realmente
seu pai? Vários testemunhos textuais corrigem o problema ao fazerem o texto
dizer: “José e sua mãe nada sabiam”.
A
versão que representa esta variante em português é a ACF: “E, regressando eles,
terminados aqueles dias, ficou o menino Jesus em Jerusalém, e não
o soube José, nem sua mãe”.
“Outra
variante ocorre em um relato do batismo de Jesus por João, justamente o ponto
no qual muitos adocionistas insistiram que Jesus foi escolhido por Deus para
ser seu filho adotivo. Em Lucas e em Marcos, quando Jesus é batizado, os céus
se abrem, o espírito desce sobre Jesus em forma de pomba e uma voz vem do céu.
Mas os manuscritos do Evangelho de Lucas se dividem acerca do que a voz teria
dito exatamente. Segundo a maior parte deles, ela falou as mesmas palavras que
se encontram no relato de Marcos: “Tu
és meu filho amado em quem me comprazo”. (Marcos 1:11; Lucas 3:22). Em
um manuscrito grego primitivo e em vários manuscritos latinos, porém, a voz diz
algo notavelmente distinto: “Tu és
meu filho, hoje eu te gerei”. Será que isso não sugere que o dia do
batismo de Jesus é o dia em que ele se tornou o Filho de Deus? Qual dessas duas
formas do texto é a original e qual representa a alteração”?
Segundo
o Dr. Ehrman, é típico dos copistas a disposição de harmonizar o texto em vez
de tomá-los em desarmonia; Portanto a forma que difere de Marcos tem maior
probabilidade de ser o original de Lucas. Esse versículo é citado nos séculos
II e III por toda a parte, de Roma a Alexandria, da África do Norte a Palestina,
da Gália a Espanha. E, em quase todas as ocasiões, é a outra forma do texto que
é citada (Hoje eu te gerei). Esses argumentos sugerem que a variante
menos atestada é indubitavelmente a original e que ela foi mudada por copistas
receosos de suas implicações adocionistas. Alguns pesquisadores tomaram a
direção oposta, ao defender que Lucas não poderia apresentar a voz dizendo no
batismo “hoje eu te gerei”, porque já está claro, antes desse ponto da
narrativa de Lucas, que Jesus é o Filho de Deus.
Tanto que em Lucas 1:35, antes
do nascimento de Jesus, o anjo Gabriel anuncia a mãe de Jesus:
“Por
isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus”.
Em outras palavras, para o próprio Lucas, Jesus já era o filho de Deus desde o
nascimento. (Veja também: A Questão Genética).
A
dificuldade dessa linha de raciocínio – por mais persuasiva que seja a primeira
vista – é que ela omite o modo como Lucas geralmente usa as designações de
Jesus no decorrer de sua obra (incluindo não apenas o evangelho, mas também o
segundo volume de seu escrito, o livro de Atos). Consideremos, por exemplo, o
que Lucas diz sobre Jesus como o Messias. Segundo Lucas 2:11, Jesus nasceu como
“O Cristo”, mas em um de seus discursos em Atos, afirma-se que Jesus se tornou
“O Cristo” por ocasião de seu batismo. (Atos 10:37-38). Portanto, tudo indica
que no relato original do batismo de Jesus narrado por Lucas, a voz veio do céu
para declarar: “Tu és meu Filho, hoje eu te gerei”. [7]. Em resumo, as
narrativas da infância em Lucas e Mateus são contraditórias com todo o conjunto
da obra.
Um
famoso erudito católico romano chamado Raymond Brown, explicando sobre a
possível ideia de concepção virginal no Judaísmo, diz o seguinte:
“Embora saibam que Isaías não falou de uma
concepção virginal, muitos biblistas acreditam que sua profecia foi assim
interpretada pelos judeus de língua grega (LXX de Is 7,14) e isso explica por
que os judeu-cristãos helênicos expressaram suas idéias a respeito das origens
do Filho de Deus como uma concepção virginal. Mas, não há razão para acreditar
que a versão da LXX de Is 7:14 se referia a uma concepção virginal ou foi assim
interpretada pelos judeus. É a exegese cristã, testemunhada em Mateus 1:22-23,
que reinterpreta Is 7:14 à luz de uma tradição cristã existente da concepção
virginal de Jesus. Quando muito, Mateus deixou sua interpretação de Is 7:14
colorir seu relato da concepção virginal e não há nenhuma prova irrefutável de
que Lucas recorreu a Is 7:14”. [8]
Continuando
a análise, o Dr. Raymond aponta o absoluto silencio do NT com relação à
concepção virginal:
“É indiscutível que não há nenhuma referência explícita à concepção virginal no NT, fora das narrativas da infância. O assunto discutido é se há referências implícitas”.
As cartas paulinas
Em Gl 4:4-5, Paulo diz: “Quando se completou
o tempo, Deus enviou seu Filho, nascido
de mulher, nascido sujeito à Lei”.
Talvez influenciados pelo (mau) uso da expressão
“parto virginal”, alguns biblistas (Zahn, Miguens) pensaram imediatamente em
uma concepção virginal aqui, pois só a mãe é mencionada. Entretanto, para ser
exato, Paulo fala da realidade do
nascimento de Jesus, não da maneira de sua concepção. A frase “nascido
de mulher” destina-se a enfatizar o que Jesus partilhava com os que ele
redimiu, precisamente porque se aplica a todos que caminham nesta terra. (Grifos
meus).
Um argumento mais sério em defesa do
conhecimento paulino da concepção virginal baseia-se no costume de Paulo de
escrever que Jesus foi “nascido” (o verbo ginesthai em Gl 4:4; Rm 1:3; Fl 2:7)
em vez de “gerado” (o verbo gennan, usado a respeito de Ismael e Isaac em Gl 4:23,24,29).
No entanto, os dois verbos na voz intermediária ou passiva significam “nascer” e “ser gerado”; e nenhum
dos dois informa alguma coisa específica sobre a maneira de concepção. Por
exemplo, Mateus, que acredita na concepção virginal, usa o verbo gennan a
respeito de Jesus, uma vez pelo menos, claramente com o sentido de “gerado” (Mt
1:20). Sem outra indicação da idéia de Paulo, é abusivo interpretar um
conhecimento da concepção virginal no uso paulino de “ginesthai”.
Evangelho de Marcos
Marcos nunca menciona José pelo nome; e, em
uma passagem em que Mateus e Lucas fazem os cidadãos de Nazaré falar de Jesus
como “o filho
do carpinteiro” e “o filho
de José”, Marcos usa “o filho
de Maria” (Mc 6,3; Mt 13,55; Lc 4,22).
A reconstrução da história pré-evangélica
da passagem é complicada, mas Miguens argumenta minuciosamente que o silêncio
sobre José por parte de Marcos é deliberado porque este sabe que Jesus não tem
pai humano. Uma solução muito mais simples é preferível. José não aparece
durante o ministério de Jesus em nenhum dos evangelhos e é muito provável que
ele tenha morrido antes do batismo de Jesus. Se os aldeões de Marcos falam de
Jesus como “o filho
de Maria”, talvez isso represente uma identificação
de Jesus com a utilização do único progenitor vivo e conhecido, precisamente
porque Mc 6:3 aborda a presença da família no povoado.
Em todo caso, a tese de
que os aldeões de Marcos insinuam a concepção virginal parece inacreditável à
luz de Mc 6:4, em que Jesus se compara a um profeta desvalorizado em sua
própria terra, entre os parentes e em sua casa. Uma avaliação negativa
semelhante das relações entre Jesus e sua família encontra-se em Mc 3:21,31-35.
Ali, Marcos primeiro conta que “seus familiares” pensavam que Jesus estava fora
de si (ou ficando
louco) e foram detê-lo; em seguida, relata que a mãe e os irmãos de Jesus
chegaram e ficaram
do lado de fora de onde ele estava e mandaram chamá-lo. Aparentemente, Marcos
inclui a mãe de Jesus entre “seus familiares” que pensavam que ele estava ficando louco. Marcos continua e faz
Jesus diferenciar sua família natural, que está do lado de fora, dos que
estavam do lado de dentro ouvindo-o, uma família constituída pelos que faziam a
vontade de Deus. Essa visão
desdenhosa do relacionamento de Maria com Jesus dificilmente é conciliável com
um conhecimento da concepção virginal.
Mateus e Lucas, que têm esse conhecimento, suprimem a primeira e mais ofensiva
parte da cena marciana, em que “seus familiares” acham que Jesus está fora de
si (até no paralelo a Mc 6:4, eles omitem a referência desdenhosa de Jesus a
parentes que não valorizam o profeta). Além disso, Lucas modifica drasticamente a última parte da cena
marciana, de modo que Jesus já não substitui sua família natural, mas inclui
sua mãe e seus irmãos entre os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática
(Lc 8:19-21)”. (Grifos meus).
Escritos Joaninos
“Alguns biblistas encontram apoio para a
concepção virginal em uma interpretação diferente de Jo 1:13: “Aquele que foi
gerado [em vez de ‘aqueles que foram gerados’], não pelo sangue, não pela
vontade da carne, não pela vontade do homem, mas por Deus”.
Essa variação não é atestada em nenhum
manuscrito do evangelho e é plausível que seja mudança feita no período
patrístico a fim
de realçar a utilidade cristológica do texto. Além disso, há quem afirme que Jo 7:41-42 revela o
conhecimento que o evangelista tinha do nascimento em Belém e, portanto, da
concepção virginal. O conhecimento joanino do nascimento em Belém é incerto
e isso nada tem que ver com o conhecimento da concepção virginal. Finalmente,
é duvidoso que “aquele que é gerado [gennëtheis] de Deus” em 1Jo 5,18 refira-se a Jesus e não ao cristão; Mas,
mesmo que se refira
a Jesus, mais duvidosa ainda é a tentativa de ver na frase uma referência à
concepção virginal.
A mesma frase “gerado [ou nascido] de
Deus” é usada em 1Jo 2,29; 3,9; 5,1.4 a respeito de cristãos em geral, sem
nenhuma implicação de concepção virginal”.
Em
uma avaliação concisa das provas, diz o Dr. Raymond, eu diria que é perfeitamente adequado falar do silêncio dos outros
livros do NT a respeito da concepção virginal porque nem uma só das
“referências implícitas” tem qualquer força instigadora. (Grifos Meus).
“Nada de
palpável leva a crer que Mateus se tenha servido da concepção virginal para
inculcar, ou insinuar, uma compreensão “física” da filiação divina de Jesus. A
partir de Mateus é forçoso concluir que as comunidades judaico-cristãs a ele
subjacentes, não conectavam a filiação divina de Jesus com a concepção
virginal, nem derivavam a primeira da segunda. Lucas, pelo contrário, vê um
nexo entre ambas. Nexo de causa ou de sinal? A análise literária não permite
caracterizar a concepção virginal em analogia com o mito teogâmico. Não se
trata de um ato de procriação ou de fecundação, pois Maria não foi fecundada
por meio de um gérmen divino, nem Jesus foi gerado de uma substancia divina,
mas por uma intervenção da onipotência de Deus. A compreensão de Filiação Física
de Jesus é impossível de se justificar como simples fase evolutiva da
messianologia judaica. Tal compreensão física só seria possível no cristianismo
helenista”. [9]
4 - A QUESTÃO GENÉTICA
O
fato de Maria ter dado à luz a um filho sem a presença do pai chama-se tecnicamente
de partenogênese.
Este termo não se encontra na bíblia, apenas o termo grego parthenos, usado por Mateus como referência a profecia de
Isaías 7:14. Mas partiremos do pressuposto que se a ideia da partenogênese está contida na bíblia, então ela é válida. Porém, o que quero analisar são alguns
detalhes desta ideia à luz do contexto das profecias messiânicas e da genealogia
apresentada pelo próprio evangelista.
Partenogênese ou partogênese (do
grego παρθενος,
virgem, + γενεσις,
nascimento, uma alusão à deusa grega Atena, cujo templo era denominado
Partenon) refere-se ao crescimento e desenvolvimento de um embrião sem
fertilização. São fêmeas que procriam sem precisar de machos que as
fecundem. Quando falamos em reprodução sexuada, todos pensamos num tipo de
reprodução em que se dá o encontro de dois gametas diferentes (gameta feminino
e gameta masculino), ocorrendo a fecundação.
O resultado é o desenvolvimento de um
novo ser em que o fenótipo apresenta metade dos cromossomos oriundos do
gameta feminino e outra metade do gameta masculino. O fenômeno de
Partenogênese é comum em plantas agamospérmicas, alguns invertebrados (como por
exemplo, pulgas de água e afídeos) e alguns vertebrados (por exemplo, peixes,
lagartos, salamandras, e até perus). [10]
Seres
humanos têm 46 cromossomos, distribuídos em 23 pares. 44 (22 pares) destes
cromossomos são autossomos e 2 (1 par) são cromossomos sexuais. Humanos têm um
sistema de determinação sexual XY, tanto que fêmeas têm cromossomos sexuais
XX e os machos, XY.
No caso de Maria, único e exclusivo na
história da humanidade, devemos admitir que Jesus recebera todo o seu material
genético, quando em sua formação. Em humanos, nunca foi comprovado nenhum caso
de partenogênese e a questão de Maria ter dado à luz um rapaz não encaixar com a
definição de Partenogênese pode ser levantada, uma vez que o filho só teria
material genético feminino, logo não poderia ter o cromossomo Y que leva ao
desenvolvimento de um rapaz (sexo masculino). Obviamente, não é preciso
dizer sobre a masculinidade de Jesus. De onde teria vindo então o cromossomo
Y, que deu origem ao bebê do sexo masculino em Maria? De Deus, do
Espírito Santo ou de José? Isto nos leva imediatamente à questão da geração
Divina.
Analisando os dois relatos, verificamos que
nenhum deles afirma “categoricamente” que Deus copulou com Maria (como
nos mitos, principalmente os Greco-Romanos) e nem que Deus teria supostamente
colocado a “semente” de José em seu útero.
Em Mateus
1:20 a afirmação é bem sucinta: “O
que nela está gerado é do Espírito Santo”.
Em Lucas 1:35 diz: “Descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te cobrirá
com a sua sombra. Por isso também o Santo, que de ti há de nascer,
será chamado Filho de Deus”.
Percebemos
que o Espírito Santo nos dois relatos foi o “agente” que deu origem ao SER
que nasceu de Maria. Podemos perceber também que o Espírito Santo não é visto
pelos dois evangelistas como uma “pessoa”, mas como “poder (Gr. Dunamis) do
Altíssimo”, que é capaz de “criar”.
Estes
textos contradizem também a idéia de que Jesus teria preexistido como outro Ser,
antes de sua origem aqui na terra. Para os trinitarianos e antitrinitarianos,
que pensam que Jesus foi gerado na eternidade muito antes de Maria, esta seria
uma segunda “geração”. Lucas, porém, não mostra esta idéia e Mateus por sua vez
mostra a “origem (Gr. Genesis)” de Jesus. (Cf. Mateus 1:18).
A
concepção virginal, portanto, não entra na categoria de “geração Divina”, pois segundo
os dois relatos, Maria não é fecundada por um principio masculino, nem no seu útero
foi depositado um gérmen, seja divino ou humano, mas entra na categoria de “criação”.
A razão, a meu ver, está no fato de que nenhum dos evangelistas explique a
origem humana de Jesus por meio de um gérmen superior, etéreo, divino, nem por
meio de um gérmen humano, depurado das impurezas do pecado, mas apenas por meio
de um milagre da onipotência de Deus (referido, como disse, ao espírito Santo, “poder
de Deus”, não a uma terceira pessoa da trindade). Nas narrativas da infância, a
concepção virginal não aparece como processo biogenético, para melhorar a
constituição biológica de Jesus ou isentá-lo de alguma forma de pecado. Nenhum
dos dois relatos mostra isto. A concepção virginal não confere uma dimensão
semi-divina (ou Divina) à pessoa de Jesus, nem é a razão de ser da sua filiação
divina.
Podemos,
portanto concluir que Lucas não poderia ter registrado qualquer nexo entre a
concepção virginal e a filiação divina de Jesus, pois não indica que a relação
Pai-Filho seja por causa dessa concepção virginal. O titulo “Filho de Deus”,
freqüente em Lucas e associado às fases mais importantes da vida de Jesus, em
nenhuma parte, adquire dimensões metafísicas, nem na genealogia, onde a analogia
entre Adão e Jesus se fundamenta apenas no poder criador de Deus.
Ao
contrário do que muitos possam dizer, reafirmo que nem Mateus nem Lucas mostram
que o relato da concepção confere a Jesus esta “filiação Divina”. Em Lucas, o
texto diz: “Ele Será chamado filho
de Deus” (Lucas 1:35).
O verbo “ser” está no futuro, pois podemos confirmar que a afirmação “categórica” da filiação Divina veio somente por ocasião do batismo, segundo o próprio Lucas (Veja Lucas 3:22).
O verbo “ser” está no futuro, pois podemos confirmar que a afirmação “categórica” da filiação Divina veio somente por ocasião do batismo, segundo o próprio Lucas (Veja Lucas 3:22).
Se ao dizer que
Jesus “seria” chamado Filho de Deus apenas quando nascesse, então mostra que
ainda assim não era Filho. Se já fosse Filho para Lucas, certamente poderíamos
esperar uma declaração mais direta, do tipo: “Ele É chamado o Filho de Deus”. Há contradição entre os dois
relatos ou não?
A noção
judaica de filiação divina não postula uma geração física, mas apenas uma
relação adotiva. A palavra Ungido era o título qualificativo que os judeus
aplicavam a seus sacerdotes [Lev. 4:3, 5,16; 6:15, 22]. Ao Rei lhe chamavam “O
Ungido de Yahveh”, por que no momento de receber a investidura real Ele era
“ungido”, ou seja, um sacerdote derramava sobre sua cabeça “azeite consagrado”.
Isto sugere, em minha opinião, que a unção de Jesus por ocasião de seu batismo,
foi exatamente como era feito na unção do Rei e do sacerdote, porém de maneira
espiritual. O óleo era “derramado” sobre a cabeça em abundancia. O “espírito de
santidade” de YHVH foi derramado “abundamentemente” sobre o Messias. (vide João
3:34; Mateus 3:16,17). A unção com o azeite sagrado, ao mesmo tempo em que
estabelecia um vinculo particular entre Deus e o “ungido”, significava a eleição divina e
consagração formal para o desempenho de um cargo ou função (Cf.
Levítico 8:12).
Não
é somente questão de fé e pronto. Há elementos, mesmo nos dois evangelhos que
não coadunam com a crença na concepção milagrosa. É preciso reconhecer que os
dados neotestamentários, como redigidos em nossas bíblias atuais estão
contraditórios com muitos outros textos do Novo Testamento sobre a “origem” de
Jesus.
5 - DESCENDÊNCIA = SEMENTE
As
profecias sobre o Messias mostram que ele deveria ser da Semente de Daví. É muito
importante e significativa a palavra profética, pois é por meio dela que
sabemos identificar com segurança quem de fato se qualificaria para ser o
Messias prometido e é por meio dela também que a concepção virginal se torna um
paradoxo (vide: A questão genética). Em toda a extensa literatura hebraica
e no contexto das profecias bíblicas, não há uma só passagem que possa
justificar a idéia de que o Messias prometido devia ser milagrosamente
concebido, nem mesmo o texto de Isaías 7:14, analisado acima (Vide: Qual o
objetivo das genealogias?).
Para entender o que significa “semente”,
basta recorrer ao Antigo Testamento e ver qual o significado do termo e qual
sua relação com as profecias sobre o Messias. O termo hebraico utilizado para
descrever “semente” ou “descendência” é o vocábulo “Zerá”.
Genesis 17:9 - Disse mais Deus a Abraão: Ora, quanto a ti, guardarás o meu pacto, tu e a tua descendência (heb. zerá) depois de ti, nas suas gerações.
Em
Levíticos 15:16, a mesma palavra
hebraica (zerá) é usada para descrever o “sêmen” que sai do homem, veja:
“Também
se sair de um homem o seu sêmen (heb. Zerá) banhará o seu corpo todo em
água, e será imundo até a tarde”.
Em
mais outra passagem, verificamos o mesmo sentido:
Genesis 38:9 - Onã,
porém, sabia que tal descendência (heb. Zerá) não havia de ser para ele; de
modo que, toda vez que se unia à mulher de seu irmão, derramava o sêmen (heb.
Zerá) no chão para não dar descendência a seu irmão.
Percebam
que aqui o tradutor usou a palavra “descendência” com o mesmo significado de
“sêmen”. Por este motivo, podemos compreender porque Jesus é chamado na bíblia
de “descendente” ou “semente” de Daví. Eis as passagens que não deixam margens
à nenhuma dúvida:
2 Samuel 7:12 - Quando teus dias forem completos, e vieres a dormir com teus pais, então farei levantar depois de ti um dentre a tua descendência, que sair das tuas entranhas, e estabelecerei o seu reino.
2 Samuel 7:12 - Quando teus dias forem completos, e vieres a dormir com teus pais, então farei levantar depois de ti um dentre a tua descendência, que sair das tuas entranhas, e estabelecerei o seu reino.
O
que o termo “sair das tuas entranhas” sugere ao leitor?
Salmos
89:3,4 - Fiz um pacto com o meu escolhido; jurei ao meu servo
Davi: Estabelecerei para sempre a tua descendência, e firmarei o teu
trono por todas as gerações.
Isaías
11:1
- Então brotará um rebento do toco de Jessé, e das suas raízes um renovo
frutificará.
Salmos
132:11 - O Senhor jurou a Davi com verdade, e não se desviará
dela: Do fruto das tuas entranhas porei sobre o teu trono.
Romanos
1:3
- Acerca de seu Filho, que nasceu da descendência (Gr. Spermatos) de Davi segundo
a carne;
2
Timoteo 2:8 - Lembra-te de que Jesus Cristo, que é
da descendência (Gr. Spermatos) de Davi, ressuscitou dentre os mortos,
segundo o meu evangelho;
Apocalipse
22:16 - Eu, Jesus, enviei o meu anjo, para vos testificar
estas coisas nas igrejas. Eu sou a raiz e a geração (genos) de Davi, a resplandecente
estrela da manhã.
A NVI traduz como: Eu sou a raiz e O Descendente de Davi e concorda com a definição dada acima sobre “Genealogia”.
A NVI traduz como: Eu sou a raiz e O Descendente de Davi e concorda com a definição dada acima sobre “Genealogia”.
Atos
2:30
- Sendo, pois, ele profeta, e sabendo que Deus lhe havia prometido com
juramento que faria sentar sobre o seu trono um dos seus descendentes;
Em Atos 2:30, o escritor usou a palavra grega – OSPHUOS AUTOU KATA SARKA, que literalmente significa: Dos Seus Lombos Segundo A Carne.
Em Atos 2:30, o escritor usou a palavra grega – OSPHUOS AUTOU KATA SARKA, que literalmente significa: Dos Seus Lombos Segundo A Carne.
João
7:42
- Não diz a Escritura que o Cristo vem da descendência (Gr. Spermatos)
de Davi, e de Belém, da aldeia de onde era Davi?
Percebam
que são as escrituras proféticas que norteiam a identificação do Messias e em
todas elas verificamos que este “Messias” foi um descendente “carnal” de Daví,
deixando, portanto de lado a idéia de uma concepção virginal. Os apóstolos
entendiam esta sucessão e deixaram registrada esta idéia nas páginas do Novo Testamento.
No grego neotestamentário, os escritores variam entre a palavra “genos” e a
palavra “spermatos”, mais usada por Paulo. Todas sugerem descendência biológica.
Confira os textos acima.
Por
que a bíblia associa a “semente” com a “descendência”? É porque era através
dessa “semente” que a promessa Messiânica poderia ser transmitida.
Dentro
do contexto profético, O Messias era um descendente legítimo (da semente) de
Davi. YHWH, segundo a Sua vontade revelada, profeticamente escolheu e elegeu a
tribo de Judá (Salmo 78:67,68) da qual descenderia o Messias (Gênesis 49:10;
Hebreus 7:14). Da tribo de Judá descendeu o rei Davi e de sua linhagem real,
mediante as promessas e juramento feitos por YHWH. (Salmo 2:6; 89:3,4; 132:11;
Isaías 11:1; Atos 2:29,30; 13:21-23; 2Timóteo 2:8; Apocalipse 22:16).
Portanto, é presumível que Jesus só poderia
ter nascido biologicamente de José, porque a partenogênese
humana é teologicamente inviável e estranha à cultura judaica e ao caráter
profético messiânico a qual Jesus estava inserido. Os
Judeus nunca esperaram um messias nascido de uma virgem e nem esperam até
hoje. A palavra messias significa literalmente “ungido” e não um deus ou
semi-deus. Ungido/Messias, é literalmente alguém que Deus unge para uma missão
especifica ou para pregar sua palavra.
As
objeções levantadas ao que escrevi acima serão bem vindas, se mostrarem que
biblicamente há a possibilidade de haver compatibilidade entre a “genealogia de Mateus” e a “genealogia de Lucas” com os
relatos da “concepção milagrosa”. Entre a “questão genética”, que o texto em si não mostra nenhuma
“geração” divina de um ser humano, nem que ele tenha existido como outro ser
antes e nem como se deu esse processo de nascimento.
6 - A FILIAÇÃO DIVINA
DE JESUS EM 4 CORRENTES DE PENSAMENTO
Para
os trinitarianos, a concepção virginal é o canal mediante o qual a Segunda
Pessoa pré-existente da Santíssima Trindade entrou como ser humano verdadeiro,
para participar do mundo do tempo e do espaço. O trinitarianismo baseia-se nos
credos conciliares quando quer definir a pessoa de Jesus. Veja o que diz os
dois credos mais importantes do trinitarianismo:
CREDO
DE NICÉIA (ANO 325 E. C.)
“Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho
Unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos: Deus de
Deus, Luz da luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito,
da mesma substância do Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E, por
nós, homens, e para a nossa salvação, "DESCEU DOS CÉUS": Se ENCARNOU
pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem”.
CREDO DE CALCEDONIA (ANO 451 E. C.)
“Fiéis aos santos pais, todos nós,
perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho,
nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade, e perfeito quanto à
humanidade; verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, constando
de alma racional e de corpo, consubstancial com o Pai, segundo a divindade, e
consubstancial a nós, segundo a humanidade; em tudo semelhante a nós,
excetuando o pecado; gerado segundo a divindade pelo Pai antes de todos
os séculos, e nestes últimos dias, segundo a humanidade, por nós e para nossa
salvação, nascido da Virgem Maria, mãe de Deus; um e só mesmo Cristo,
Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas,
inconfundíveis, imutáveis, indivisíveis, inseparáveis; a distinção de naturezas
de modo algum é anulada pela união, antes é preservada a propriedade de cada
natureza, concorrendo para formar uma só pessoa e em uma subsistência; não
separado nem dividido em duas pessoas, mas um só e o mesmo Filho, o Unigênito,
Verbo de Deus, o Senhor Jesus Cristo, conforme os profetas desde o princípio
acerca dele testemunharam, e o mesmo Senhor Jesus nos ensinou, e o Credo dos
santos Pais nos transmitiu”.
Note,
por favor, as palavras sublinhadas, pois elas são muito importantes para
compreender de onde se originou o conceito de “geração eterna” e de
“encarnação” defendidas tanto pelos trinitarianos, quanto pelos
não-trinitarianos (os que pensam em Jesus como filho gerado na eternidade, sem contudo, acreditar que ele faça parte de uma trindade).
6.1 - FILIAÇÃO DIVINA SEGUNDO
OS NÃO-TRINITARIANOS
Os Não-trinitarianos
os quais me refiro, são os que postulam uma “geração na eternidade” do Filho de
Deus e entendem que Jesus já era Filho, antes de vir a esta terra. Isto,
obviamente pressupõe uma preexistência do filho.
Considerando
o exposto acima, verificamos que esta concepção é a mesma postulada pelo credo
de Calcedônia, onde diz que Jesus teve 2 (duas) gerações: A primeira antes de todos os
séculos e a segunda como homem, da virgem Maria, ainda que não
concordem com o conceito da união hipostática. O conceito de encarnação para
estes é em realidade, o rompimento de uma existência atemporal e começo de uma
existência humana, temporal, ou seja, o mesmo conceito trinitariano.
Para
estes, para ser “Filho Literal de Deus” é necessário que Ele tenha Nascido Do Próprio Deus Na Eternidade,
da mesma substância, natureza e essência, portanto tendo um início. Ou seja,
crêem que Jesus foi “sobrenaturalmente gerado de dentro do próprio Deus”,
uma afirmação, em minha opinião, sem nenhum embasamento bíblico. Um Ser Eterno,
indivisível, imortal, como é O Criador do Universo - [1Timóteo 1: 17; 6:
6; Salmo 90: 2], poderia gerar “FISICAMENTE” na eternidade, outro
ser ainda que Filho, porém sujeito à morte? Seres imortais poderiam gerar
seres mortais?
Desta
forma, os defensores não trinitarianos da preexistência literal atribuem a
Cristo 2 naturezas também, da mesma forma que o fazem os trinitarianos baseados
no credo calcedoniano, porém estas naturezas estão “separadas no tempo”. A
Trindade assenta na idéia de o Filho ter sido "eternamente gerado", o
que não faz o menor sentido. Como pode alguém que não tem começo ser gerado? Por
que não há absolutamente nenhum verso que fala de Jesus ter sido gerado pelo
Pai na eternidade? Este tipo de conclusão, em minha opinião não encontra
respaldo bíblico.
A
bíblia não descreve o processo deste “suposto nascimento na eternidade”, simplesmente
porque ele não existe, é pura invenção da mente humana, onde se procuram textos
da escritura, deslocados de seus contextos, para dar veracidade a suas afirmações.
Não estou limitando a onipotência de Deus, estou caminhando dentro do que está
escrito na revelação bíblica, seguindo o conselho Paulino (1 Cor. 4:6);
É
estranho como pensam os defensores da preexistência, que o Criador do Universo
tenha tido um Filho no céu! Comparam O Criador de todas as coisas às mulheres
que podem gerar filhos em seus ventres! E o tenha mantido em segredo por muito
tempo e não o tenha permitido falar ou agir. Outros, por sua vez, afirmam que
este Filho se manifestava em seu estado preexistente aos homens como um Anjo, [conceito
das Testemunhas de Jeová e Adventistas do 7 Dia]. A epístola aos Hebreus refuta
a idéia de que o Filho de Deus tenha sido algum dia um anjo. (Ver Hebreus
1:5,13).
Por
que os não-trinitarianos (defensores da preexistência) não mostram com versos
bíblicos, como se deu este processo de “nascimento na eternidade”? Inclusive
atribuem erroneamente o significado do verbo “gennao” a este fato, tirando-o
totalmente de seu contexto. (veja o uso de “gennao” em - a filiação segundo o conceito
judaico).
O
conceito de “geração na eternidade” pressupõe a mesma idéia trinitariana, apenas
diferindo a terminologia adotada, pois quando o ser gerado na eternidade assume
a humanidade, entra em cena a encarnação, que é um conceito não bíblico em
minha opinião. Os trinitarianos dizem que o que se encarnou foi O Deus-Filho –
a segunda pessoa da trindade - e os não trinitarianos dizem que o que se
encarnou foi O Filho de Deus - (que preexistia como logos) - gerado na
eternidade. Portanto, não há nenhuma diferença.
O destacado erudito Raymond Brown reconhece sinceramente que Lucas não pensou em Jesus como alguém preexistindo a seu nascimento. Ele enfatiza o fato de que Lucas “não mostrou
conhecimento da preexistência”.
“Lucas 1:35 é uma vergonha para muitos
teólogos ortodoxos, já que na preexistência [trinitária] uma teologia da
concepção pelo Espírito Santo no ventre de Maria não traz à
existência o Filho de Deus. Lucas aparentemente desconhecia tal cristologia.
Para Ele, a concepção está “causalmente” relacionada à filiação divina”. [11]
Veja
que o próprio estudioso católico admite que o texto de Lucas envergonha os
teólogos trinitarianos, porque diz que eles tratam de evadir da conexão causal em Lucas
1: 35 – traduzidas como “pelo que”, ou “por isso”, por meio de argumentar
que a concepção de um filho não traz à existência o Filho de Deus. Isto, sem
dúvida, contraria a idéia de geração eterna [ou na eternidade] e por
conseqüência de sua dupla natureza.
Introduzí
aqui o exemplo deste erudito católico para mostrar que as duas passagens dos
evangelistas sobre a concepção e nascimento de Jesus provam que não houve uma
suposta geração eterna do Filho, nem preexistência ou que ele já era filho,
antes mesmo de nascer no ventre de Maria.
Mesmo sendo católico Romano, o Dr. Raymond entende que a partícula grega
“Dio kai” traduzida como “pelo que” em Lucas 1:35 enfatiza a causa original da
concepção de Jesus e não uma encarnação de um ser eterno, entrando no útero de
Maria, embora para Raymond, esta também seja a causa de sua filiação divina. Em
minha opinião, quem defende a idéia da preexistência, defende implicitamente o
trinitarianismo (com relação à uma suposta geração na eternidade).
O
prólogo de João é muito usado para defender este raciocínio. Mas podemos
apontar brevemente algumas incongruências: Alguns estudiosos afirmam que o
prólogo de João e o capítulo 21 do mesmo evangelho não fazem parte do texto
original. Não entrarei nesta questão aqui.
É
imperativo que o estudante sério da Bíblia procure compreender o que significa o
termo grego Logos, que é traduzido como "Verbo" (Com V maiúsculo) em João 1:1. A maioria
dos trinitarianos crê que a palavra Logos se refere diretamente a
Jesus, por isso na maioria das versões de João, Logos é traduzido
como o Verbo (Com V
maiúsculo). Sem dúvida, um estudo desta palavra grega mostra que ela
ocorre mais de 300 vezes no NT, e tanto na NIV (Nova Versão
Internacional) como na KJV (Versão do Rei Tiago), ela é grafada com
letras maiúsculas 7 vezes (essas versões não estão de acordo sobre
quando exatamente grafá-las em maiúsculas). Quando uma palavra que ocorre
mais de 300 vezes é grafada em maiúsculas 7 vezes, é óbvio que esta
questão de grafá-la assim é uma decisão do tradutor baseada em seu entendimento
das escrituras.
Qualquer
ocorrência de Logos, portanto, tem que ser estudada cuidadosamente em seu
contexto para adquirir o significado correto. Afirmo que O Logos em João 1:1
não pode ser Jesus, pelos seguintes motivos:
1 -
“Jesus” não está nas definições do léxico encontradas para “Logos”.
2 -
Este versículo não diz “No princípio era Jesus”. “O Verbo” não é sinônimo com
Jesus, nem sequer com a palavra “Messias”. A palavra Logos, em um de seus
sentidos principais é quase parecida ao nosso conhecimento da palavra - razão.
“O Logos de Deus é considerada como
simplesmente a razão de Deus e sob outros aspectos como a sabedoria, mente e
inteligência de Deus”.
3 -
Se compreendermos que o Logos é a Expressão De Deus – Seu Plano, Propósitos, Razão E
Sabedoria - fica mais claro dizer que isto era com Ele – No Princípio. A
escritura diz que a sabedoria de Deus era “desde o princípio”. (Provérbios
8: 23).
É muito comum nas escrituras hebraicas personificar um conceito, como a
sabedoria, por exemplo. Nenhum provérbio judaico de leitura antiga pensaria na
sabedoria de Deus como uma pessoa distinta, retratada tal como nas estrofes
de Provérbios 8: 29-30. A maioria dos leitores judeus do livro de João
estariam familiarizados com o conceito do “verbo” de Deus sendo com Deus quando
trabalhou para trazer sua criação à existência. Há um trabalho óbvio do poder
de Deus em Gênesis 1, quando seu plano se torna concreto nas coisas criadas.
Logos, ou seja, o plano de Deus, seu propósito e sabedoria se “fez carne” (veio em realidade, existência física) na pessoa de Jesus.
O
fato de que Logos foi “feito carne”, mostra que não existia como “pessoa” assim
antes e mostra também uma linguagem impessoal. Não há preexistência de Jesus
nesta estrofe à parte de sua existência figurada como plano, propósito ou
sabedoria de Deus para a salvação da humanidade. O mesmo é verdadeiro com a
“palavra” escrita. Não teria uma preexistência literal – a existência como um
espírito – ou livro - em alguma parte da eternidade anterior, porém entre em
existência quando Deus dá a revelação às pessoas e a escreveram.
Diante
do exposto, esta idéia de “preexistência” e “geração na eternidade” não tem
apoio bíblico nenhum, inclusive no que se refere aos textos de Mateus e Lucas
sobre a concepção de Jesus, pois mesmo que eles tenham algum caráter de
interpolação (é o que estamos presumindo deste ensaio), não provam a
preexistência de Jesus.
O
texto de Mateus 1:18 nos manuscritos mais antigos está de acordo com a
tradução:
“A origem [ou o começo, gênese] de
Jesus Cristo”. E, ambas as variações [gênesis e gennesis]
estão presentes na tradição textual. Isto implica que não foi um simples erro
de ortografia ou coincidência da parte dos escribas. Mateus começa seu
evangelho detalhando o “livro da genealogia (gênesis) de Jesus Cristo”, o que
torna mais provável a continuação descritiva de uma origem (começo). Por isto a
maioria dos eruditos textuais concorda que “nascimento” representa uma
corrupção textual. [12].
Ao
mesmo tempo, algo mais profundo pode estar passando aqui. Ambas as
palavras genesis (com um n) e gennesis (com duplo n), podem
significar “nascimento, origem”, sendo apropriada a este contexto. Então, por
que os escribas parecem resistir à descrição original de Mateus como “gênesis”
de Jesus? A resposta se contesta a si mesma. O texto original claramente nos
diz que foi precisamente neste momento que Jesus veio a existir [Se
Originou]. É fato que na narração de Mateus, aqui ou no restante do livro, não
há sugestão de que Cristo existia antes de seu nascimento. Jesus foi concebido
dentro do útero de Maria - ele começou ali como um feto, exatamente como
qualquer outro ser humano.
“O relato da concepção e nascimento de
Cristo não permite a idéia de que ele existia fisicamente antes disto. Por isso
somos levados à conclusão de que na crença da “preexistência”, Cristo, de
alguma forma, desceu fisicamente do céu e entrou no útero de Maria. Toda esta
complexa teologia está bastante fora do ensino da Escritura. O relato do
princípio da vida de Cristo não dá qualquer motivo para se pensar que ele
deixou fisicamente o céu e entrou no útero de Maria. A falta de evidência disto
é um grande “elo perdido” no ensino trinitariano”. [13].
O
comentário de Maurice Wiles expõe de um modo significativo o que tem
sido largamente a convicção entre um grupo minoritário de crentes:
“Dentro da tradição cristã o Novo Testamento
tem sido por longo tempo lido através do prisma dos credos conciliares posteriores
... Falar de Jesus como Filho de Deus teve uma conotação muito
diferente no primeiro século do que aquela que teve em Nicéia. Falar da
preexistência de Jesus (na escritura) deveria provavelmente na maioria dos
casos, ser entendida sobre a analogia da Torá, para indicar o propósito divino
eterno que se está levando ao fim através dele em lugar de uma preexistência
completamente pessoal”.
O
problema para os trinitarianos e os não trinitarianos é que Eles buscam seu
apoio no evangelho de João sob o risco de contradizer Mateus e Lucas. Há outra
forma, sem dúvida, de ler o evangelho de João. Que Mateus e João concordam
acerca de quem era Jesus está solidamente indicado por um simples fato: Mateus
16: 16-18 registra Jesus lançando as bases messiânicas da fé nele
e João 20: 31 anunciam o
mesmo propósito quando escreveram seu evangelho. Foi para demonstrar que Jesus
é o Ungido,
o Filho de Deus.
6.2 - FILIAÇÃO SEGUNDO O JUDAÍSMO
No
judaísmo, o conceito de Deus gerar existe tão somente com respeito à
expectativa messiânica. Para
os judeus, não há conceito algum do Messias como filho de Deus no sentido
físico, nem idéia de sua preexistência. A idéia de que o Rei, como
representante terrestre da divindade era o “filho de Deus” era corrente no
oriente antigo. No AT, Gennao é empregado geralmente para traduzir o hebraico
Yalad (dar à luz) e ocasionalmente traduz como conceber. Duas passagens nos
Salmos falam que Deus gerou o Rei-Messias (Heb. Yalad, Gr. Gennao) – Salmos 2:7
e Salmos 110:3;
Alguns
estudiosos pensaram que existem paralelos no Egito e na Mesopotâmia que foram
utilizados pelos israelitas. As idéias de Israel, no entanto, emanavam da sua
fé em Yahvé. A filiação do rei israelita não tem nada a ver com a geração
física nem com o pensamento de que através da entronização, o rei por algum
modo entrasse na esfera do divino. O relacionamento entre Deus e o rei não tem
fundamento na natureza do rei e o rei não é divino, mas é declarado como filho
ao subir ao trono – por uma manifestação da vontade divina. É provável que
quando os herdeiros de Davi acediam à autoridade real, a formula da adoção
fosse solenemente pronunciada. (Sl. 2:7).
O
sentido preciso, portanto, de gennao deve ser determinado
pelo contexto, tanto na sua forma ativa quanto na passiva, sendo que se emprega
com respeito ao pai bem como à mãe e também se emprega num sentido figurado ou
estendido, como no Salmo 2:7, citado em Atos 13:33 e Hebreus 1:5 e 5:5,6;
O
NT não aplica os Salmos 2:7 às narrativas do nascimento de Jesus na terra nem
“na eternidade”, pois sempre que ele é citado, uma geração física e sexual é
totalmente excluída. Atos 13:33 aplica as palavras “eu hoje te gerei” à
ressurreição de Jesus.
6.3 - FILIAÇÃO SEGUNDO OS CRISTADELFIANOS
Para
os cristadelfianos, Jesus teve sua origem no ventre de Maria e é por causa desta geração pelo espírito santo
que ele é chamado Filho de Deus.
Robert Roberts (um dos pioneiros cristadelfianos) afirma que o conceito Trinitário e Unitário a respeito da natureza de Jesus Cristo está em discordância com a bíblia e que a verdade se acha no meio destes dois: Sobre o conceito Unitário, ele diz:
“O Unitário foge destes testemunhos
negando a autenticidade dos dois primeiros capítulos de Mateus e Lucas. As
razões para esta negativa são superficiais e insuficientes; E são francamente
deficientes. A evidência que prova a autenticidade dos capítulos rejeitados é
mais do que decisiva. É irresistível. Não deixa lugar a duvidas ou
contradições. Existe a evidência unida de todos os manuscritos e versões
disponíveis, apoiada pelo reconhecimento dos primeiros escritores cristãos, confirmada pelo caráter interno dos
capítulos e a necessidade do acontecimento que eles narram para explicar o
caráter e missão de Jesus de Nazaré. A divina paternidade de Jesus seguiria sendo
uma verdade imutável, ainda que não existissem os registros de Mateus e Lucas”.
(Grifos meus).
Robert
Roberts continua sobre a paternidade de Jesus, dizendo:
“Sem duvida, mesmo a existência de
Cristo não sendo inderivada, é mais diretamente divina que puramente humana. Um
homem é uma incorporação da energia mortal de vida de seu pai. Jesus não nasceu
da vontade da carne, senão de Deus. Foi gerado de Maria mediante o poder do
espírito. Esta foi a origem do seu título “Filho de Deus”. Antes de sua unção, Jesus era simplesmente o
“corpo preparado” para a divina manifestação que se realizaria através dele. A
preparação deste corpo começou com a ação do Espírito sobre Maria e concluiu
quando Jesus, tendo trinta anos de idade, foi aprovado na perfeição de um caráter
impecável e maduro. Depois que o espírito desceu sobre ele, Jesus era a
plena manifestação de Deus na carne”. [14] (grifos meus).
Para
Robert Roberts o que preparou o corpo de Jesus para conferir impecabilidade
e amadurecimento foi a ação do espírito de Deus sobre Maria, fazendo
com que nela ele fosse gerado, porque antes de sua unção, Jesus era apenas um
“corpo preparado”. Outro detalhe é que o autor não mostra quais evidências
seriam comprobatórias de que os manuscritos disponíveis sobre a concepção e o nascimento
de Jesus têm de fato credibilidade, mas apenas diz que estas evidências seriam
apoiadas pelos primeiros escritores cristãos, uma possível referencia aos “pais
da Igreja”, cujos textos são abundantes na apologia que fazem ao tema da
concepção virginal. Já foi dito acima, que a redação de Mateus e Lucas não
prova que a filiação divina de Jesus teria sido por causa de sua concepção
virginal e nem que esta daria a Ele uma condição de impecabilidade. (Vide A
Questão Genética). Lucas afirma categoricamente que Jesus seria “Filho” em seu
batismo. (Vide Lucas 3:22).
7 – QUAL O SENTIDO DE IMPECABILIDADE?
É
importante compreender o que significa o conceito de pecado original, para
poder compreender o que significa “impecabilidade”, porque foi por este
conceito que se originou a idéia de que o Messias não pecou por causa de sua
origem sobrenatural no ventre de Maria, preservando-o, portanto do pecado
original. A expressão “pecado original” é de origem latina e Agostinho foi
responsável por seu êxito na história da doutrina e da catequese. O sentido de
pecado original é que este afeta a humanidade em seu conjunto.
Diz
o Catecismo da Igreja Católica:
De
que maneira o pecado de Adão se tornou o pecado de todos os seus descendentes?
O gênero humano inteiro é em Adão "sicut unum corpus unius hominis - como um só
corpo de um só homem". Em virtude desta “unidade do gênero humano”,
todos os homens estão implicados no pecado de Adão, como todos estão implicados
na justiça de Cristo. Contudo, a transmissão do pecado original é um mistério
que não somos capazes de compreender plenamente. Sabemos, porém, pela
Revelação, que Adão havia recebido a santidade e a justiça originais não
exclusivamente para si, mas para toda a natureza humana: Ao ceder ao Tentador, Adão e Eva cometem um pecado pessoal, mas este
pecado afeta a Natureza humana, que vão transmitir em um estado decaído. É
um pecado que será transmitido por propagação à humanidade inteira, isto é,
pela transmissão de uma natureza humana privada da santidade e da justiça
originais. E é por isso que o pecado original é denominado “pecado” de maneira
analógica: é um pecado “contraído” e não “cometido”, um estado e não um ato. [15]
Como mostra o catecismo, o
pecado de Adão foi um pecado transmitido por propagação e por via de geração à
humanidade inteira. Esta visão, na verdade, foi uma leitura errada que Agostinho
fez de Romanos 5:12, onde ele entendeu que aquilo que atingiu a todos por causa
do pecado de Adão, não foi a morte, mas o Seu [de Adão] pecado. Esta
interpretação está ligada à versão latina (chamada Vetus latina) que Agostinho tinha
sob seus olhos. Quando Agostinho leu Romanos 5:12, entendeu que a morte passou
a todos os seres humanos porque todos pecaram por intermédio de Adão. Mas não é
isso que o versículo diz na língua original. O texto grego não permite essa
interpretação, porque o antecedente “hamartia/pecado” é feminino, ao passo que
“morte/thanatos” é masculino. Então argumentou que Romanos 5 e toda epístola
aos romanos e os evangelhos ensinam que nós somos todos da raça de Adão e por
isso herdamos sua culpa e sua corrupção. Por qual outra razão Jesus teria de
nascer de uma virgem? Para Agostinho, explica, era porque a culpa e a corrupção
do pecado são transmitidas as gerações seguintes pela procriação sexual e a
natureza de Cristo só estaria livre do pecado se ele não fosse concebido pelo
processo natural.
Tomás de Aquino disse: “No sêmen corporal esteve o pecado original
como em uma causa instrumental, porque é pela
força ativa do sêmen que o pecado é transmitido à prole ao mesmo tempo
em que a natureza. Mas como em seu sujeito, o pecado original não pode estar na
carne, mas somente na alma”. [16]
A
teoria de que a concepção virginal, por si mesma, garantiu a isenção de Cristo
do pecado original levanta mais problemas do que soluciona. Vincularia com o
marido a transmissão do pecado original e teria eficácia tão somente se
pudéssemos postular a mesma impecabilidade a Maria. Ela, tendo o “pecado
original”, como a maioria do protestantismo acredita, inevitavelmente transmitiria
essa condição ao seu filho. Foi conseqüência desta doutrina (pecado original)
que a igreja católica desenvolveu o ensino do batismo infantil e desta também
surgiu o dogma da “imaculada conceição de Maria”. Atribuíram tanto a Cristo
como a Maria uma concepção tal que os preservaram do efeito do pecado original.
Jesus, portanto, teria nascido de uma mãe humana sem participar da suposta
culpa de Adão. Agostinho foi responsável por propagar esta visão da culpa
transmitida aos descendentes por causa do pecado de Adão. Através dos
reformadores ela encontrou seu caminho dentro de muitas igrejas protestantes.
Ou seja, a natureza pecaminosa e enfraquecida de Adão foi passada para seus
filhos através da lei da hereditariedade (pela força ativa do sêmen) e desde que
os pecados deles eram o resultado do pecado de Adão, foi fácil para eles
deslizarem para dentro do erro de acreditar que compartilhavam da mesma culpa.
É
exatamente isto que sustenta a Igreja Romana. Este ponto de vista foi a
definição que o Papa Pio IX deu ao dogma da imaculada conceição de Maria:
“Que a mui bendita virgem Maria, no primeiro
instante da sua concepção, mediante uma graça e privilegio do Deus onipotente e
levando-se em consideração os méritos de Jesus Cristo, salvador da raça humana,
foi conservada isenta de toda a mácula do pecado original, é uma doutrina
revelada por Deus e deve, portanto, ser sustentada por todos os fiéis”.
Mas,
mesmo assim, muitos perceberam que a impecabilidade de Maria necessariamente
exigiria a impecabilidade dos pais e avós dela, ao infinito.
Em
todo o Antigo Testamento, porém, não se fala em «transmissão hereditária» duma
condição inicial pecaminosa; apenas há referência, no Gênesis,
às conseqüências naturais daquele ato: a mulher passará a parir em
dores e o homem dominá-la-á e o homem por sua vez tirará da terra o seu sustento
com trabalhos penosos e suor do rosto, e a terra produzir-lhe-á espinhos e
abrolhos (Gênesis 3, 16-19). O texto bíblico nos diz que Adão e Eva não foram
tirados do jardim do Éden porque pecaram (observe, por favor, que na primeira
vez em que a Bíblia utiliza o termo “pecado”, não o faz em referência a
Adão e Eva. Esta se refere à inveja de Caim contra Abel em Gênesis 4:7). O que
despojou Adão e Eva do jardim do Éden foi a Árvore da qual Deus não queria que
eles comessem. Esta era a Árvore da Vida. A crença de que eles trouxeram morte
ao mundo e que morremos porque eles pecaram é incorreta. Como questão de
fato bíblica, uma pessoa não pode morrer como castigo pelos pecados cometidos
por outra. Morremos porque a morte é uma parte natural da existência e este é o
nosso destino desde a criação dos primeiros seres humanos. Portanto, Adão e Eva
comeram da fruta da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal conscientemente, mas
Deus não os tirou do jardim por esta razão. Deus os tirou dali para evitar que
eles comessem do fruto da Árvore da Vida e se tornassem imortais.
Para
Pelágio o pecado original não tem tanta importância para o resto da humanidade,
diríamos, não tem nenhum poder hereditário. O pecado de Adão foi só seu; a humanidade
não tem que pagar por isto. É impossível, para Pelágio, a alma
trazer consigo algo que não é culpa sua, pagar por algo que não cometeu. Deus
não faria isso com os homens, criar uma alma imediatamente manchada. O que nós
herdamos de Adão foi somente o seu mau exemplo, a sua desobediência. Adão foi
criado como qualquer outro homem, com vontade (concupiscência), mortal, sujeito
às dores, males. Adão foi criado livre. Portanto, a morte não é castigo do
pecado, pois Adão e todos os seus descendentes morreriam, mesmo que ele não
tivesse pecado. Morrer faz parte da condição humana.
No
Novo Testamento tão-pouco há referência a uma condição pecaminosa hereditária. O
eminente teólogo jesuíta Karl Rahner (1904-1984), um dos mais conceituados
teólogos do século 20, acentua categoricamente que não se encontra em
nenhum dos Evangelhos a idéia de que o estado atual da humanidade seja devido
ao «primeiro pecado». Já no século 18 o Iluminista Voltaire dizia o
mesmo, com a veia satírica que o caracteriza: «Em suma, os judeus conheceram
o pecado original tanto quanto conheceram as cerimônias chinesas; e,
embora os teólogos costumem encontrar tudo o que querem na Escritura, podemos
garantir que um teólogo razoável jamais encontrará aí esse mistério
surpreendente» (Voltaire 1964, 310-311).
Podemos
com o que foi dito acima entender que o efeito da doutrina do pecado original e
da concepção virginal, ao contrário, remove Cristo totalmente da família de
Adão, porque se Jesus foi gerado (ou encarnado) de uma maneira especial
(sobrenatural), que o preservou da corrupção do pecado original de Adão, ele
não pode ser “semelhante a nós em todas as coisas” (Hebreus 2:17). Era
necessário que Jesus tivesse uma natureza humana exatamente igual à nossa e
nascido exatamente como nós.
Hebreus
2:11 diz: “Tanto o que santifica como os
que são santificados, vêm todos de um só. Por esta causa Jesus não se
envergonha de lhes chamar irmãos”.
Irmãos
são todos de uma mesma carne e natureza familiar. Hebreus 2:16 diz: “Pois na verdade Ele não tomou sobre Si a
natureza de Anjos, mas Ele tomou sobre Si a descendência (Gr. Spermatos) de
Abraão”.
Veja
que o escritor de Hebreus sabe que a natureza do Messias era a mesma traçada
dos antepassados, através da semente (descendência) de pai para Filho. Hebreus
usa a mesma palavra grega (Spermatos) que Paulo usa em Romanos 1:3 e 2 Timóteo 2:8, quando enfoca a descendência davidica
de Jesus. E concorda plenamente com o versículo de abertura de Mateus 1:1.
Jesus
como descendente de Davi herdou sua natureza segundo a carne, mas não cedeu à fraqueza
inerente desta natureza, pois embora tentado não respondeu com um único grau de
indulgência a qualquer dessas tentações. Estar sujeito ao pecado não é ser
culpado deles. Tentação não é pecado. Ele foi tentado da mesma forma que somos,
todavia ele nunca pecou. (Veja Hebreus 2:14). Se Jesus tivesse qualquer
vantagem sobre nós, por menor que fosse, penso que realmente não se
qualificaria para ser o Messias e aquele que trouxe a salvação que vem de
YaHVéH.
Robert
Roberts (pioneiro cristadelfiano), discorrendo sobre a natureza de Jesus, diz:
“Se Cristo houvesse somente sido um
filho de Adão, haveria sido um pecador e, portanto, inadequado para propósitos
expiatórios. Por outro lado, se houvesse estado revestido de natureza
angélica ou imaculada, haveria sido igualmente desqualificado, posto que, era
necessário que a natureza pecaminosa estivesse nele.
A combinação da
condenada natureza humana com a impecabilidade pessoal se alcançou mediante o
poder divino que gerou um filho da substancia de Maria. Deste modo se
produziu um “cordeiro de Deus” sem pecado por parte de sua paternidade e sem
duvida herdando a pecaminosa natureza humana de sua mãe”. [17].
(grifos meus).
Vejam
que o Sr. Robert entende que o que dá a Jesus o poder de não pecar
(impecabilidade) é sua geração divina no ventre de Maria. Ele afirma que Jesus
seria um pecador se fosse filho (biológico) de Adão. Mas, como poderia esta
afirmação estar em concordância com Hebreus 2:11,16,17 e com a genealogia?
Outro detalhe é que podemos verificar que esta idéia é uma cópia bem sutil da doutrina agostiniana do pecado original. Ou seja, Jesus, teria que ter nascido de uma mãe humana sem participar da suposta culpa de Adão e isso só foi possível através da “geração pelo espírito santo”.
É preciso compreender que impecabilidade não está relacionada à
constituição da “natureza humana”, porque mesmo Cristo possuindo uma natureza
humana pecável (ou sujeita ao pecado) em sua constituição, era, no entanto
incapaz de pecar. E isto não era devido à alguma geração sobrenatural. A
condição de “pecabilidade” ou não de Cristo dependia da vontade e não da
natureza. E sua vontade sendo submissa ao Pai sempre prevaleceu.
Louis
Berkoff diz:
“Os mais antigos teólogos compreendem que é impossível ter uma correta concepção do pecado sem vê-lo em relação a Deus e Sua vontade e, portanto, acentuavam este aspecto e normalmente falavam do pecado como “falta de conformidade com a lei de Deus”. É, sem duvida, uma correta definição formal do pecado”.
“Os mais antigos teólogos compreendem que é impossível ter uma correta concepção do pecado sem vê-lo em relação a Deus e Sua vontade e, portanto, acentuavam este aspecto e normalmente falavam do pecado como “falta de conformidade com a lei de Deus”. É, sem duvida, uma correta definição formal do pecado”.
Impecabilidade significa
que o Senhor Jesus jamais fez alguma coisa que desagradasse a Deus, que
violasse a Lei de Deus ou que em algum momento tenha deixado de demonstrar a
glória de Deus em sua vida (João 8:29). Desafiou seus inimigos a provar que ele
era pecador (João 8:46). Declarou que guardava os mandamentos do Pai (João
15:10) e que fazia sempre o que lhe agradava. Nos julgamentos que enfrentou e
durante sua crucificação, foi considerado 11 vezes inocente. Além disso, embora
freqüentasse o templo, não existe registro de nosso Senhor oferecendo algum
sacrifício, porque ele não tinha pecados.
As escrituras confirmam totalmente
que Cristo nunca pecou. Para salvar a Si mesmo do pecado e dos perigos da
carne, Ele dependeu constantemente e unicamente do poder de Seu Pai. Foi dessa
forma que ele superou o diabo (Hebreus 2:14) e viveu uma vida de perfeita
obediência. Foi por estar dependente totalmente do Espírito de Deus que ele
venceu a tentação. Começando com o relato da tentação de Cristo, infere-se que
ele foi capaz de pecar. Ser humano é ser tentado e tentação real pressupõe a
possibilidade de pecado. Cristo não poderia ser Deus, pois Deus sim é incapaz
de pecar. As tentações implicavam em conflito real. Eram experimentadas por
Cristo, de maneira profunda, como algo que o puxava para longe da vontade do
Pai. Ele orou na crise da tentação e refugiou-se junto a Seu pai em busca de força.
Sua “impecabilidade” consistia em fazer a vontade do Pai.
O teólogo Charles Hodge
representa o ponto de vista da pecabilidade
de Cristo, dessa forma:
“Tentação implica a possibilidade de pecar. Se a luz da constituição de
sua pessoa era impossível que Cristo pecasse, então sua tentação não era real,
mas sem propósito e ele não poderia solidarizar-se com seu povo”.
Willian G. T. Shedd
escreveu: “Existe uma objeção à doutrina
da impecabilidade de Cristo que é incoerente com a sua capacidade de ser
tentado. Se uma pessoa não pode pecar, então se crê que ela não pode ser
tentada a pecar. Isso não é correto. A capacidade de ser tentado depende de sua
susceptibilidade ao pecado, enquanto a impecabilidade depende da vontade de
pecar [...] Aquelas tentações eram muito fortes, mas se a autodeterminação de
sua vontade santa era mais forte do que elas, então as tentações não induziriam
ao pecado e ele seria incapaz de pecar. Ao mesmo, ele seria apenas capaz de ser
tentado”.
Veja
que todas estas afirmações apontam para o mesmo centro: A “impecabilidade” de
Cristo dependia de sua “vontade” e poder de “decisão” e não de sua natureza
sobrenaturalmente gerada. Mas, as escrituras continuam dizendo: Cristo não
pecou. Sua autodeterminação o tornava superior ao grau de tentação que o
afligia. O propósito de Cristo ter uma natureza exatamente igual à nossa era
pelo motivo de que somente assim poderia redimir o homem caído. Para fazer isto
Ele tinha que “condenar o pecado na carne” e isto só poderia ser feito
conquistando através da obediência aquela carne pecaminosa e submetê-la à morte
(Romanos 8:3).
Como Jesus tirou o pecado do mundo? Na mesma carne que a nossa,
pois ele não poderia “condenar o pecado na carne” em uma carne “sem pecado”. O
Fato de Cristo ter sido apenas um ser humano, sem existência anterior imortal,
não reduz também o preço da salvação, pois sendo Cristo nosso representante,
sua morte abriu-nos o caminho até Deus.
A
versão NVI de Romanos 8:3 coloca
muito bem essa questão: “Porque, aquilo
que a lei fora incapaz de fazer por estar enfraquecida pela carne, Deus o fez,
enviando seu próprio Filho, à semelhança do homem pecador, como oferta pelo
pecado. E assim condenou o pecado na carne, a fim de que as justas
exigências da lei fossem plenamente satisfeitas em nós, que não vivemos segundo
a carne, mas segundo o Espírito”.
Muitos
afirmam que os Salmos 51:5 ensinam o pecado original. Mas, observe que após
todos os delitos do salmista, agora ele se vê num estado miserável e de culpa,
onde ele reflete que desde o seu nascimento já carregava todos os delitos. Sua
linguagem revela e expressa um conceito pessoal e não universal, pois a sua
fala está relacionada a uma experiência pessoal. Esse é o seu conceito sobre o
pecado, ele acredita carregar o pecado desde sua concepção, mas não que ele
cria numa teologia acerca do pecado original. Usa essa linguagem poética pelo
peso da culpa que carrega.
8 - CONCLUSÃO
Procuramos
neste ensaio, abordar questões fundamentais que dizem respeito à genealogia de
Mateus e Lucas e relacioná-las com o relato da concepção virginal de Jesus.
Também procuramos citar eruditos bíblicos, cujo conhecimento das línguas
originais é de extrema importância. Como disse no inicio, meu objetivo
primordial é levantar questões da autenticidade ou não destes relatos em
comparação com o conteúdo global do Novo Testamento e com a idéia de como
funciona a genealogia na bíblia. Este conhecimento, em minha opinião, é de
muita valia, pois estamos tentando retratar o Messias de acordo aos dois
testamentos que falam sobre Ele, tirando-o do meio dos escombros em que a
tradição cristã o colocou. Muitos vão fazer afirmações do tipo: Isto é heresia!
Este argumento é fraco! Não há como provar o que você diz!
As evidencias estão aí para serem analisadas. Não importa. Muitos que foram denominados de hereges e não-ortodoxos seguiam as escrituras sem duvidar. Preferimos ser “não-ortodoxos”, mas seguir as pisadas do Messias Judaico, a ser “ortodoxos” e seguir um Messias criado como cópia de idéias oriundas dos mitos pagãos, as quais se cristalizaram no que hoje é conhecido como Igreja católica apostólica Romana.
MARCELO ALEXANDRE DO VALLE
BIBLIOGRAFIA:
[1] Carl Gustav Jung (1875
– 1961) - Psiquiatra e Psicólogo Suíço.
[2] Rudolf Bultman (1884 –
1976) – Teólogo Alemão
[4] Dicionário
Internacional de Teologia do Novo Testamento – 2ª Ed. São Paulo Vida Nova,
2000. COENEN, Lothar. BROW, Colin.
[5] VERMES, Geza. As várias
faces de Jesus. Páginas 251, 252.
[6] MOUNIER, Bernard. O Nascimento dos Dogmas Cristãos, pp. 33,34
[7]
EHRMAN, Bart D. - O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Quem mudou a bíblia
e por quê? São Paulo: Prestígio, 2006
[8]
Ciberteologia
- Revista de Teologia & Cultura - Ano II, n. 10
[9] FERREIRA, J. Freitas -
Conceição Virginal de Jesus – páginas 250, 251
[11] BROWN, Raymond. O
Nascimento do Messias, página 291.
[12] Dicionário Vine – Nascimento C1. (Gênesis,
linhagem, nascimento (de ginomai, vir a ser).
[14] ROBERTS, Robert - La
Cristandad Extraviada – cap. 6 (Dios, Angeles, Jesucristo y La Crucifixión).
[15] Catecismo da Igreja
Católica – Art. Pecado Original p. 29 § 404
[16] Summa Teológica – São
Tomás de Aquino
[17] ROBERTS, Robert - La
Cristandad Extraviada – cap. 6 (Dios, Angeles, Jesucristo y La Crucifixión).