segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O JUDAISMO MESSIANICO E O USO EQUIVOCADO DO "TALIT"



Judeus Messiânicos (homens) utilizam o chamado “Talit” para fazer suas preces em suas sinagogas. Nessas preces, eles cobrem suas cabeças, seguindo na verdade uma tradição judaica, conforme se pode observar no seguinte comentário sobre o uso do talit:


“Durante as orações é nosso costume permanecer com o talit cobrindo a cabeça”. (grifos meus).(1)






Pois bem, sempre confrontei alguns destes irmãos, querendo trazer-lhes à memória, que há dois problemas seríssimos com relação a esta prática do judaismo messiânico, que são: 


a) Sob o pretexto de estarem “retornando às raízes da igreja do 1 século”, criaram para si tradições que nem sempre se embasam nos ensinos e práticas dos apóstolos; e 

b) Estas tradições são em sua maioria cópias das tradições “farisaicas”, que nem sempre seguem estritamente a letra da lei, pois na verdade seguem a chamada Lei Oral Rabinica em adição à Lei (Torah) Escrita.


É preciso compreender, que nem tudo que se diz “judaico” é por si só “Mosaico”, (de acordo com a Lei de Moisés), assim como nem tudo que se diz “evangélico-protestante”, por si só seja “apostólico” (de acordo com os ensinos e práticas apostólicas).









Muitas destas práticas, a meu ver, seguem uma leitura errada de episódios da vida do povo judeu e dos mandamentos da Torah. Na leitura errada que fazem, estes irmãos acabam cometendo dois erros grotescos de hermenêutica para fundamentar sua prática de oração com o TALIT:


1) Se esbarram com esta orientação de Paulo, que diz:

“Todo o homem que ora ou profetiza, tendo a cabeça coberta, desonra a sua própria cabeça”. (1 Coríntios 11:4 ACF).


2) E, quando analisadas na própria letra da Lei, percebe-se que nem mesmo o mandamento da torah ordena utilizar o talit para oração diurna, veja:


“E falou o Senhor a Moisés, dizendo: Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Que nas bordas das suas vestes façam franjas pelas suas gerações; e nas franjas das bordas ponham um cordão de azul.
E as franjas vos serão para que, vendo-as, vos lembreis de todos os mandamentos do Senhor, e os cumprais; e não seguireis o vosso coração, nem após os vossos olhos, pelos quais andais vos prostituindo. 


Para que vos lembreis de todos os meus mandamentos, e os cumprais, e santos sejais a vosso Deus”. (Números 15:37-40). (grifos meus).


“Franjas porás nas quatro bordas da tua manta, com que te cobrires”.




EXPLICAÇÃO SUGERIDA



Depreende-se deste mandamento que o seu objetivo era para “lembrar-se de todos os mandamentos do SENHOR” e “não seguir o próprio coração”. Não há evidência no texto, sugerindo que este manto com franjas fosse para cobrir o rosto do homem durante sua oração!


O termo bíblico hebraico para “vestes” (BeGed) relaciona-se a algo que se porta como vestido e portanto é absurdo assumir que este mandamento possa cumprir-se de qualquer outra forma diferente do que levar uma roupa que tenha as franjas. O próprio texto de Deut. 22:12 especifica onde e como se colocam as franjas nas próprias vestes.

Portanto, onde está a aplicação deste mandamento à oração? E, por que confeccionar um manto com franjas para se cobrir com ele, se a ordem era para fazer as franjas em suas próprias vestes?



O SENTIDO FIGURATIVO DE “CABEÇA”


No texto de 1 Corintios 11, devemos notar que o uso do vocábulo grego “kephalê” (cabeça) foi feito de forma figurativa, observando seu significado dentro do contexto e traduzindo a idéia de “autoridade”, “chefia”. Veja estes exemplos:


E estais perfeitos nele, que é a cabeça (KEPHALÊ) de todo o principado e potestade;


E sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça (KEPHALÊN) da igreja. (Efésios 1:22).


Outro detalhe importante é o significado do verbo grego KATAKALUPTÔ (cobrir) e AKATAKALUPTÕ (descobrir). Veja o que diz o dicionario VINE sobre o vocabulo AKATAKALUPTÕ (descoberta):



“Descoberta (‘akatakaluptos’), fornecido de a, elemento de negação, e cobrir (‘katakaluptô’), é usado em 1Co 11:5,13 (“descoberta”), com referência à injunção proibindo as mulheres estarem sem “véu” ou “descobertas”nas reuniões da igreja, pouco importando que tipo de cobertura seja, deve estar na cabeça como “sinal de poderio” ( I Cor.11.10), cujo significado é indicado em 1 Cor. 11.3 no assunto de supremacia, e cujas razões são dadas em 1 Cor. 11.7-9 e na frase “por causa dos anjos” (1 Cor. 11.10), intimando o testemunho e interesse deles naquilo que indica a supremacia de Cristo. As injunções não eram nem judaicas, que exigiam que os homens cobrissem a cabeça na oração; nem gregas, pelas quais homens e mulheres ficavam igualmente com a cabeça “descoberta”. As instruções do apóstolo Paulo eram “mandamentos do Senhor” (1Co14:37) e eram para todas as igrejas'(1 Co 14.33,34)”. (Grifos meus) (2).


Compreendendo estes significados, podemos entender que Paulo está tentando mostrar que existe uma ordem hierárquica na congregação e que seu simbolismo se traduz no aspecto do cobrir e não cobrir a cabeça. Podemos mostrar esta hierarquia da seguinte forma:



DEUS  –  CRISTO  –  HOMEM  -  MULHER



Por isso disse: “Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo o homem, e o homem a cabeça da mulher; e Deus a cabeça de Cristo. (1 Coríntios 11:3).


Assim, Cristo é a ‘autoridade’ (cabeça) do homem, o homem ‘autoridade’ (cabeça) da mulher, e Deus é a ‘autoridade’ (cabeça) de Cristo.


Veja que, segundo VINE, esta INJUNÇÃO (ordem) não era nem judaica e nem grega. Porque os judeus seguem até hoje este costume de cobrir a cabeça quando oram. 


O texto de Paulo, no entanto, proíbe enfaticamente o homem cobrir-se enquanto ora, veja:


O homem, pois, não deve cobrir a cabeça (gr. ouk opheilei katakaluptesthai), porque é a imagem e glória de Deus, mas a mulher é a glória do homem. (1 Coríntios 11:7). (Grifos meus).

Isto significa literalmente “não deve trazer algo sobre [a cabeça]”. “Acompanhado de um advérbio de negação ‘ouk’, o presente do imperativo proíbe uma ação que está em andamento, ou que está se repetindo, deve cessar, deve acabar”. (3) 



1Cor. 11:1-16 não está transmitindo uma tradição “judaica” aos gregos, mas uma nova tradição (Gr. Paradoseis) à igreja, proibindo aos homens se cobrirem (por ser a imagem e gloria de Deus) e permitindo às mulheres o fazerem.


O doutor Robert H. Gundry, no tocante ao uso do véu, faz um excelente comentário: 



“O véu cobria a cabeça, e não o rosto. Era, ao mesmo tempo, símbolo da subordinação da mulher ao homem e do respeito que a mulher merece. As mulheres cristãs de Corinto, no entanto, mui naturalmente estavam seguindo os costumes das mulheres gregas, as quais conservavam a cabeça descoberta quando adoravam. Por conseguinte, Paulo assevera que é vergonhoso uma mulher cristã orar ou profetizar na igreja com a cabeça sem véu. Por outro lado, Paulo se manifesta contrariamente à prática dos homens judeus e romanos, os quais oravam com a cabeça coberta, e ordena que os varões crentes orem e profetizem de cabeça descoberta, como sinal da autoridade de que estão investidos”. (grifos meus).(4).


Há os que afirmam que o uso do véu era por “causa” das prostitutas cultuais existentes em Corinto, mas tal interpretação é uma aberração à regra fundamental da hermenêutica: A bíblia se explica a si mesma, dizendo que é por “causa” dos anjos (v.10), e portanto, não é possível confundir “anjos” com “prostitutas cultuais”!










MAIS UM DETALHE INTERESSANTE


No comentário sobre a subida de Moisés ao monte para receber a Lei gravada em pedras, Paulo ilustra o véu com que se cobrem aqueles que têm seu sentido endurecido (mente fechada), por causa da leitura errada que fazem da antiga aliança, que enquanto Cristo não a remover, este véu não é retirado. (2 Corintios 3: 1-18).



Note que a palavra grega para “véu” (kaluma) foi utilizada de modo distinto, mas grafada da mesma forma, na qual faz uma comparação entre o véu literal que Moisés usava, com o véu que tem que ser removido (ANAKALUPTOMENON) na leitura da antiga aliança.


Infelizmente tanto os judeus quanto os judeus messiânicos, incorrem neste problema já descrito por Paulo há muito tempo, quando ao cobrirem-se com o TALIT, estão seguindo um costume de Moisés, que foi passado de geração a geração, refletido nos profetas e até no Rei David. Ver 2 Sm. 15:30 e 1 Reis 19:13. (Confira o contexto das duas passagens!)



Interessante que nestas duas passagens apontadas, não há indicação de que o profeta Elias e o rei David cobriam-se exclusivamente para orar e nem que estes mantos eram conforme o talit utilizado atualmente por nossos caros judeus messiânicos, o que reflete, a meu ver, um estado de rebeldia à autoridade de Cristo. Um desejo de obedecer apenas às tradições ao invés do mandamento propriamente dito. (ver Mateus 15).


Na “Nova Enciclopédia Barsa, volume 13, pág. 458” no assunto “Talmude”, observa-se os rabinos “lendo” (ensinando) o Talmude com a “cabeça” coberta, como um reflexo de que não reconhecem a “autoridade” (cabeça) Messiânica de Jesus! 


Não estou condenando o uso de um manto para se cobrir, considerando o aspecto cultural judaico; Estou condenando esta prática por parte de pessoas que afirmam aceitar a doutrina apostólica, sem, no entanto fazer uma hermenêutica correta dos textos da bíblia hebraica e do Novo Testamento.


Os judeus messiânicos, mesmo que aceitem Jesus (Yeshua) como Messias, mas oram com a cabeça “coberta” (seja com talit, com véu, ou qualquer pano), estão incorrendo em prática anti-biblica, em assintosa oposição aos preceitos apostólicos.







CONCLUSÃO



O objetivo deste artigo é apenas esclarecer o uso equivocado do “Talit”, conhecido como xale de orações, nas práticas litúrgicas dos judeus messiânicos e sua relação com o principio exemplicado por Paulo na 1ª carta aos Corintios, capítulo 11. Não tenho a intenção de denegrir nenhuma pessoa que segue o judaísmo messiânico.


O maior problema das congregações (sejam evangélicas ou judaico messiânicas) é justamente não saberem interpretar corretamente a bíblia em determinadas doutrinas e quando o fazem, é por pura conveniência!

Quando confrontadas com o texto em si e que sua prática é diferente da explicada no texto, apelam para a questão de fé, sua tradição (mesmo sem amparo bíblico) ou para o seu subjetivismo! 


Uma falta grave que se alastra no meio protestante atual e que ainda se mantém também entre os judeus messiânicos, ditos restauradores das doutrinas da igreja do 1 século.

Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. Mas, em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens. (Mateus 15:8,9).






Marcelo Alexandre do Valle





NOTAS

(2) Dicionário Vine - CPAD, pág. 547.
(3) Noções do Grego Bíblico – Gramática Fundamental , pág. 269.
(4) Panorama do Novo Testamento – Robert H. Gundry, Ph. D. – pág. 314.