Vejamos agora
alguns nomes implicados no liberalismo teológico, responsáveis pelos novos
rumos tomados pelo protestantismo:
Friedrich Schleiermacher (1768-1834)
Teólogo e filósofo alemão, embora anti-racionalista, ensinou
que não há religiões falsas e verdadeiras. Todas elas, com maior ou menor grau
de eficiência, têm por objetivo ligar o homem finito com o Deus infinito, sendo
o cristianismo a melhor delas.
Ao harmonizar as
concepções protestantes com as convicções de burguesia culta e liberal,
Schleiermacher foi considerado radical pelos ortodoxos, e visionário pelos
racionalistas. Na verdade, o seu pensamento filosófico-teológico, embora
considerado liberal, está mais perto do transcendentalismo de Karl Barth.
Adolf Von Harnack (1851 -1930)
Teólogo protestante alemão, em cuja obra principal História dos Dogmas defende que a evolução dos dogmas do cristianismo se deu pela helenização
progressiva da fé cristã primitiva. Em outra obra, A essência do cristianismo,
reduziu a religião cristã a uma espécie de confiança em Deus, sem dogma algum e
sem cristologia.
D. Albrecht Ritschl
(1822 -1889)
Ritschl ressaltou o
conteúdo ético da teologia cristã e afirmou que esta deve basear-se
principalmente na apreciação da vida interior de Cristo.
David Friedrich
Strauss (1808-1874)
Foi o teólogo alemão que maior influência exerceu no século XIX sobre os não-teólogos e não-eclesiásticos. Tornou-se professor da Universidade de Tubingen com apenas 24 anos. Quatro anos mais tarde, em 1836, foi furiosamente afastado do cargo em virtude de sua obra denominada Vida de Jesus - criticamente estudada.
No ano de 1841
lançou, em dois volumes - A Fé Cristã - Seu Desenvolvimento Histórico e seu
Conflito com a Ciência Moderna. Nesta obra está negando completamente a Bíblia,
a Igreja e a Dogmática. Em 1864 publicou uma segunda Vida de Jesus, quando
procurou então distinguir o Jesus histórico do Cristo ideal segundo a maneira
típica dos liberais do século XIX. Em sua A Antiga e a Nova Fé, publicada em
1872, adota a evolução darwiniana em contraste com a fé bíblica.
Para Strauss,
Jesus é mero homem. Insiste em que é necessário escolher entre uma observação
imparcial e o Cristo da fé. Ensinou que é preciso julgar o que os Evangelhos
dizem de Jesus pela lei lógica, histórica e filosófica, que governa todos os
eventos em todos os tempos. Não achou e não procurou um âmago histórico, mas
interessou-se apenas em mostrar a presença e a origem do mito nos evangelhos.
Seu conceito do
mundo é o de matérias subindo para formas cada vez mais altas. À pergunta:
"Como ordenamos nossas vidas?" - responde: Autodeterminação, seguindo
a espécie.
Nas obras de
Strauss não há lugar para o sobrenatural. Os milagres são mitos, contados para
confirmar o papel necessário de Jesus, daí as referências ao Velho Testamento.
Em resumo, Jesus é uma figura histórica. Da vida de Jesus nada sabemos, sendo
tudo mito e lenda.
Considerado o
mais erudito entre os biógrafos infiéis de Jesus, Strauss encerra o último
capítulo da sua segunda Vida de Jesus com estas palavras:
"...aparentemente aniquilaram a maior e mais importante parte daquilo que
o cristão se acostumou a crer concernente a Jesus; desarraigaram todos os
encorajamentos que ele tem tirado de sua fé e privaram-no de todas as suas
consolações. Parece que se acham irremediavelmente solapados os inesgotáveis
depósitos de verdade e vida que por dezoito séculos têm sido o alimento da
humanidade; o mais sublime atirado ao pó, Deus despido de sua graça, o homem
despojado de sua dignidade, e o laço entre o céu e a terra rompido. Recua a
piedade em horror diante de um ato tão temeroso de profanação, e, forte como é
na impregnável evidência própria de sua fé, ousadamente conclui que - não
importa se um criticismo audaz tentar o que lhe aprouver tudo o que as
Escrituras declaram e a Igreja crê acerca de Cristo subsistirá como verdade
eterna; nem sequer um jota ou um til será removido."
Philip Schaff
comenta que:
Strauss professa admitir a verdade abstrata da cristologia ortodoxa, "a união do divino e humano, mas perverte-a, emprestando-lhe um sentido puramente intelectual, ou panteísta. Ele nega atributos e honras divinas à gloriosa Cabeça da raça, mas aplica os mesmos atributos a uma humanidade acéfala.
Destarte, ele
substitui, partindo de preconceitos panteístas, uma viva realidade por uma
abstração metafísica; um fato histórico por uma mera noção; a vitória moral
sobre o pecado e a morte por um mero passo na filosofia e em artes mecânicas; o
culto do único vivo e verdadeiro Deus por um culto panteísta de heróis, ou
própria adoração de uma raça decaída; o pão nutriente por uma pedra; o
Evangelho de esperança e vida eterna por um evangelho de desespero e de final
aniquilamento.
Sorem
Kierkegaard (1813-1855)
Teólogo e filósofo dinamarquês. Filho de um homem rico
torturado por dúvidas religiosas e sentimentos de culpa, Kierkegaard adquiriu
complexos de natureza psicopatológica e possíveis deficiências somáticas.
Estudou teologia na universidade de Copenhague, licenciando-se em 1841.
Atacou a
filosofia de Hegel e afastou-se mais e mais da Igreja Luterana, por julgá-la
muito pouco cristã. Para o teólogo dinamarquês, entre as atitudes (fases) estética, ética e religiosa da vida não há mediação, como na dialética de
Hegel, e não há entre elas transição, no sentido de evolução. Para chegar da
fase estética à fase ética ou desta à religiosa é preciso dar um salto (ser
iluminado, converter-se instantaneamente) que transforme inteiramente a vida da
pessoa.
Para
Kierkegaard, só o cristianismo é capaz de vencer heroicamente o mundo, sendo o
panteísmo cultural de Hegel impotente contra a consciência do pecado e contra o
medo e temor. Criticou o hegelianismo em sua acomodação ao mundo profano, por
não ser capaz de eliminar a angústia e admitir a existência de contradições
irresolúveis entre o cristianismo e o mundo, cabendo ao homem escolher
existencialmente entre esta e aquela alternativa: ser cristão ou ser
não-cristão.
São profundos os
conceitos de Kierkegaard sobre os estágios da vida, a diferença entre ser e
existir, o subjetivo e o objetivo, o desespero, os critérios positivos para a
verdadeira existência, etc.
Eis alguns deles:
No estágio
estético, o homem leva uma existência imediata e não refletiva, faltando a
diferenciação entre ele e o seu mundo; No estágio ético, o homem assume a
responsabilidade pelo seu próprio ser, procura alcançar-se a si - o que não
pode fazer; No estágio religioso, reconhece a impossibilidade de viver conforme
gostaria e descobre que o pecado é não ser o que Deus deseja que seja, e que só
se alcança este estado proposto por Deus através de algo que vem de fora - o
próprio Deus;
O tempo (e
espaço) trata do que o homem é, da sua existência; a eternidade significa que,
embora o homem viva no tempo e no espaço, ele não está totalmente determinado
por estes elementos; a existência fala de liberdade, possibilidade, do ideal,
da obrigação; o momento de decisão é quando a eternidade intercepta o tempo;
O objetivo
cultural é aquilo que é, enquanto o homem fica entre o que é e o que ele pode e
deve ser. A ciência limita-se ao estudo do que é, ao que ela chama "a
verdade"; mas os fatos claramente aceitos jamais encerram a verdade;
A essência do
ser humano aparece quando traz a eternidade para dentro do tempo. Cada homem há
de sofrer porque vive numa realidade muito física: liberdade versus tempo;
O único que
realmente resolveu o paradoxo do tempo e da eternidade foi Jesus Cristo. Ele
mesmo foi um paradoxo: Deus e homem; limitado e ilimitado; ignorante e
conhecedor de tudo.
Soren Kierkegaard,
redescoberto na Alemanha por volta de 1910, é considerado o precursor da
teologia transcendental de que Karl Barth no século XX, é o principal
representante.
EXAME CRÍTICO
1. Foi a partir de
meados do século XIX, como conseqüência da grande vitalidade intelectual e
reorientação do pensamento, que nasceu a teologia liberal. Foi esta uma época
de renascimento religioso em geral e, em particular, de expansão do
protestantismo, institucional e geograficamente caracterizada pelas missões e
surgimento das sociedades bíblicas.
2. O liberalismo
teológico, em sua essência, procura libertar as consciências cristãs das suas
amarras escolásticas, apontando-lhes as exigências da razão. Realça a pessoa de
Deus como a fonte de toda a verdade e enfatiza a necessidade de uma certeza
sincera na busca da verdade, embora reconheça a impossibilidade do ser humano
alcançar um conhecimento pleno da verdade absoluta.
3. A maioria dos
teólogos da atualidade considera hoje insustentável essa premissa liberalista
de que o espírito humano não possa mover-se em regiões para além do alcance dos
sentidos, além do raciocínio meramente racional. Para Platão, o intelecto tem
idéias supersensíveis, inexplicáveis à luz da razão, sendo que é neste reino
que residem os característicos principais e distintivos da alma humana.
Modernamente, é cada vez maior o número dos que conhecem uma área
essencialmente metafísica, portanto fora do alcance dos meios físicos, na qual
o espírito obedece às leis de sua própria natureza.
4. Segundo os
teólogos liberais, o protestantismo precisa "incorporar à sua teologia os
valores básicos, as aspirações e as atitudes características da cultura
moderna, ressaltando, dentre outros, o imperativo ético do Evangelho."
(Enciclopédia Mirador).
Dessa pregação nasceu o evangelho social, onde a
mensagem de Cristo deixa de ser o poder de Deus para a salvação e regeneração
do homem, para tornar-se apenas uma fórmula social, impotente.
"A Igreja
transcende os métodos e as fórmulas humanas. Ela produz aquela vida plena de
riqueza, que é o espírito livre e nobre em ação; pensa os melhores pensamentos;
aceita os mais elevados ideais e os reveste de uma linguagem irresistível. Assim
ela infunde um poder criador na sociedade de espíritos humanos... Não há
fórmula suficiente boa para tornar boa uma sociedade, se não for executada por
homens bons. O cristianismo não elabora fórmulas, mas cria os homens capazes de
insuflar força moral em qualquer fórmula" (Lynn Harold Hough).
5. O movimento
liberalista não reivindicou apenas amplas liberdades para o exercício da razão,
mas pregou a tolerância entre as denominações protestantes, aproximando-as,
através da minimização das diferenças doutrinárias.
6. O ressurgimento
da intolerância religiosa no seio do catolicismo romano, nas primeiras décadas
do século passado, o que resultou na prisão e morte de protestantes em diversos
países, especialmente na Estônia, Lituânia, Letônia, Turquia, Pérsia, Portugual
e Espanha, contribuiu também para aproximar entre si as denominações
evangélicas. A organização, em 1846, da Aliança Mundial Evangélica, em Londres,
foi uma resposta ao estado de insegurança em que se achavam várias correntes do
protestantismo. Essa Aliança muito fez pela liberdade de culto em todo o mundo.
7. Mas o espírito
liberal reclama ainda respeito pela ciência e pelos métodos científicos de
pesquisas, o que implica na aceitação franca do estudo, tanto do mundo material
como da crítica bíblica e da história da Igreja.
Foi valendo-se desse estado
de espírito favorável, que Darwin publicou a sua célebre obra As Origens das
Espécies através de meios de seleção natural,em 24 de novembro de 1859, que
provocou violentas e intermináveis polêmicas.
8. O liberalismo
teológico aceita também o princípio da continuidade, ou seja, considera mais
importantes as semelhanças do que os contrastes, admitindo-se a idéia da
evolução para superar os abismos existentes entre o natural e espiritual, entre
o homem e seu Criador, enfatizando mais a imanência do que a transcendência de
Deus; o liberalismo prega ainda a confiança do homem no futuro, gerada pelas
grandes conquistas em todos os campos da ciência.
Outras Doutrinas
Liberais
1. Os credos
primitivos são arcaicos e sem realidade para o mundo moderno.
2. A mente do homem
é capaz de raciocinar segundo os pensamentos de Deus.
3. A mente deve
estar aberta à verdade independentemente da fonte.
4. As doutrinas
cristãs são símbolos de verdades racionais conhecidas pela razão humana.
5. A divindade de
Jesus era uma declaração simbólica do fato de que todos os homens possuem um
aspecto divino.
6. 0 conceito
bíblico da revelação de Deus na história era ingênuo e pré-filosófico.
7. Os itens
"4', "5" e "6" do parágrafo anterior sofreram
influência do idealismo absoluto de Hegel e Letze. Os demais itens justificam
plenamente alguns dos títulos do liberalismo: modernismo e racionalismo.
8. Como vimos, para
o liberalismo Deus está presente em todas as fases da vida e não apenas em
alguns eventos espetaculares. Assim, o método de Deus é o caminho da mudança
progressiva e da lei natural, e o nascimento virginal de Cristo não condiz com
a realidade, pois Deus está presente em todos os nascimentos.
9. Defendendo assim
a imanência de Deus, o liberalismo podia aceitar a teoria da evolução, não
negando a Deus, todavia, um ato criador, ou seja: Ele teria criado a primeira
célula viva, da qual vieram todos os seres viventes, inclusive o homem.
10. O liberalismo
reage contra um evangelho individualista, capaz de salvar o homem do inferno e
não da sociedade corrompida, e insiste em que o reino de Deus não é além-túmulo
e nem milênio, mas sim a sociedade ideal edificada pelo homem com o auxílio de
Deus.
11. Na busca duma
"sociedade ideal" muitos teólogos se têm inclinado para uma espécie
de socialismo cristão, envolvendo-se em movimentos subversivos por acreditarem
que as doutrinas de Marx e Engels, se destituídas de seu ateísmo, estariam em
melhores condições de atender aos reclamos dos povos pela justiça social de que
a própria mensagem evangélica.
Sua atuação no
Brasil
1. A entrada do
liberalismo no Brasil remonta ao segundo decênio deste século, quando a
Imprensa Metodista editou Pontos Principais da Fé Cristã, livro que nega a
doutrina da expiação. Depois surgiram inúmeras obras modernistas, inclusive
Religião Cristã, traduzida do italiano pelos reverendos, Dr. Alexandre Orechia
e Matatias Gomes dos Santos.
2. As primeiras
vítimas da teologia liberal em nossa pátria, segundo o falecido reverendo
Raphael Camacho, apareceram por volta de 1930, na Faculdade Evangélica de
Teologia, no Rio de Janeiro. Muitos livros adotados nesse estabelecimento de
ensino religioso eram modernistas, como também o eram quase todos os seus
professores.
3. Segundo Raphael
Camacho, o rev. Othoniel Motta, professor de Geografia Bíblica, costumava dizer
em classe: "Eu sou o pai dos hereges... Eu oro pelos mortos." O rev.
Epaminondas do Amaral, professor de exegese do Velho Testa mento, negava tudo o
que há de sobrenatural na Bíblia. O rev. Bertolaze Stela escreveu no "Estandarte",
em 11/9/41, que todos os manuscritos da Bíblia foram contaminados por grandes
mo dificações, e que não há esperança de se encontrar entre eles um texto que
esteja próximo dos originais. Em "O Estandarte" de 15/9/53, este
mesmo ministro escreveu: "Somente as palavras de Jesus constituem os
ensinos e a religião de Cristo... a Bíblia contém a palavra de Deus." e
fez suas as palavras do rev. Miguel Rizzo Jr., em A Nossa Mística: "Para
uns a suprema autoridade está na Igreja (Católica Romana); para outros, nos espíritos
do além (espíritas); para outros nas Escrituras (evangélicos), mas para nós
está em Cristo." Eis aqui a heresia chamada cristicismo, que desassocia
Cristo da Bíblia e afirma que somente as palavras ditas por Cristo é que são
inspiradas.
4. Em 1938 os
modernistas se manifestaram mais publicamente, de modo especial no seio da
Igreja Presbiteriana Independente, sendo então resistidos pelos
fundamentalistas, liderados pelo rev. Camacho. Travou-se acirrada luta
doutrinária, luta que levou o rev. Camacho a desligar-se dessa Igreja e a
organizar, em 11 defevereiro de 1940, a Igreja Presbiteriana Conservadora.
5. Também o
ex-padre Humberto Rohden, escritor, conferencista e autor de uma tradução do
Novo Testamento em português, no seu livro Pelo Prestígio da Bíblia na Era
Atômica, faz uma dura arremetida contra o evangelismo bíblico do Brasil e uma
exposição das teorias modernistas do pastor batista norte-americano, Harry E.
Fosdick.
Obs.: Podemos entender e aceitar o liberalismo teológico como uma excelente ferramenta para melhor compreendermos a fé cristã, liberando-a de seus dogmas pré-estabelecidos que sacam sua beleza. Para melhor entender sua essencia, recomendo a leitura do livro: O QUE É CRISTIANISMO? (Editora Reflexão), do grande teólogo alemão Adolf Von Harnack, disponível em:
https://ssl5921.websiteseguro.com/editorareflexao1/Site.aspx/Produto/86-O-QUE-E-CRISTIANISMO?store=1
MARCELO VALLE