segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

DEUS - NA VISÃO CRISTÃ ORTODOXA

Como primeira postagem, gostaria de falar sobre um assunto muito importante. DEUS.
O que poderíamos falar sobre Deus? Será que podemos conhecê-lo plenamente? A nossa visão sobre Deus está enraizada nas escrituras sagradas (bíblia) ou na visão popular?

Assumimos que todos os que se dizem cristãos têm a mesma visão acerca de Deus. Na prática, porém, vemos justamente o contrário. São muitas indagações ao invés de respostas prontas e por esse motivo tentaremos apontar outra direção nesta análise conceitual.

Toda religião tem seus próprios conceitos sobre quem é Deus. Cada uma à sua maneira tenta explicá-lo, cultuá-lo e entendê-lo. Com o cristianismo não é diferente e é com o cristianismo tradicional que quero tratar em particular em uma das suas visões acerca de Deus.

O cristianismo tradicional ensina um tipo de visão dualista sobre Deus. Visão esta com a qual não concordamos. Esta visão é caracterizada pela idéia de que Deus somente faz o bem [Summum Bonum] e que o mal é a ausência deste bem - conhecida como a Privatio Boni [privação do bem].

Um dos argumentos de Platão classificou o mal como pura e simples ausência de perfeição, mas esta teoria se viu debilitada com as muitas guerras, assassinatos e violências humanas de sua época. Como é que alguma coisa tão obviamente injusta poderia ser concebida como simples ausencia do bem? (grifos meus). [1].

Caro leitor, você acha certo este conceito? Diga a um sobrevivente do holocausto que o mal praticado alí foi "apenas" a  privação do bem? Diga a quem perdeu um parente no Tsunami ocorrido no Japão e nas enchentes da Região Serrana do Rio de Janeiro, que o ocorrido alí foi  "apenas" ausência do bem?

A meu ver, esta não é a visão bíblica do assunto. Esta visão cristã ortodoxa está teologicamente errada em sua base, pois teria que admitir o deslocamento da outra parte (a parte do mal) para algum outro ser. E, de fato, foi isto que aconteceu. Se Deus é somente o autor do Bem, então o Mal teria que necessariamente ser deslocado para alguém: E o foi, para o diabo. 

Para os escritores pré-exílicos, Yahvéh era a fonte do bem e do mal, como bem formulou Isaías (Cf. Is. 45:7). Até mesmo as ações ruins dos anjos eram do próprio Deus, já  que não havia muita distinção entre a ação de um anjo e a ação divina.[2]

O Antigo Testamento contém muitas citações sobre Deus como o autor do bem e do mal (não apenas do bem). Citaremos algumas: Observe a parte grifada na cor vermelha.


Porém ele lhe disse: Como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal? Em tudo isto Jó não pecou com os seus lábios. [3]
Tocar-se-á a trombeta na cidade, e o povo não estremecerá? Sucederá algum mal na cidade, sem que o SENHOR o tenha feito? [4]
 Eu formo a luz e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; Eu, o SENHOR, faço todas estas coisas. [5].
Vede agora que eu, Eu o Sou, e mais nenhum deus há além de mim; eu mato, e eu faço viver; eu firo, e eu saro, e ninguém há que escape da minha mão. [6]. 
Chamo a atenção dos leitores para os dois ultimos versículos acima citados. São verdadeiras amostras da personalidade e soberania de Deus.

O Cristianismo Constantiniano deturpou oficialmente estas verdades. Se Deus faz tanto o Bem quanto o Mal, podemos estar seguros de que tudo está sob seu controle, pois passaremos a ver o "mal" não apenas como ausencia do bem (privatio boni), mas como uma realidade que faz parte da nossa vida no seu todo. O fogo que incendeia o pasto, torna-o mais verdejante depois.

E mais, parece que as pessoas se concentram apenas no mal. Elas perguntam: por que existe o mal no mundo? De onde ele surgiu?
Daí surgem as mais diversas interpretações, inclusive bíblicas a este respeito. Ao invés disso, deveriam perguntar: por que existe o bem no mundo? O que vemos como mal, pode ser entendido do mesmo modo para todas as pessoas?

Penso que este erro  provém de não se separar adequadamente os diversos tipos de "dualismos" existentes. 
Há diversos tipos de dualismos em diversas esferas, consoante o campo a que se aplique. É preciso ter cuidado para não "fundir" em um só plano ou pessoa estes conceitos.

Existem dez tipos de dualismo [7], segundo o Dr. Henry Ansgar Kelly, são eles:


1 - Dualismo Metafísico (duas forças criativas de igual categoria, como no pensamento zoroastriano;
2 - Dualismo Cósmico (duas forças opostas não causais do bem e do mal);
3 - Dualismo Espacial (Céu e terra);
4 - Dualismo escatológico ou temporal (momento presente e final dos tempos);
5 - Dualismo Ético (a humanidade na encruzilhada do virtuoso e do corrompido);
6 - Dualismo Soteriológico (crentes e não crentes);
7 - Dualismo Teológico ( antagonismo entre o criador e as criaturas);
8 - Dualismo Físico (espírito e matéria);
9 - Dualismo Antropológico (Corpo e Alma);
10 - Dualismo Psicológico (tendência para o bem e para o mal). 

 ZOROASTRO INFLUENCIOU O CRISTIANISMO ORTODOXO

A visão dualista começou a ascender pra o mesmo patamar do monismo oficial na literatura apócrifa que floresceu entre as épocas da produção dos últimos livros do VT e o momento em que Cristo viveu. [8].
Zoroastro foi o primeiro dualista conhecido, pois ele via o mundo dividido em preto e branco, sem nenhum poder onipotente no seu controle. [9].

É evidente que a mitologia persa influenciou o cristianismo. Há muitos exemplos no AT mostrando que os antigos hebreus viam Yahvéh como a origem tanto do bem como do mal. Assim para os antigos hebreus o mal não constituia um problema. Eles acreditavam num único Deus e se havia o bem e o mal no mundo [...] tudo isso tinha sua origem em Yahvéh. [10]

Tanto as divindades do Egito como as de Canaã e de outros povos da Mesopotâmia eram monistas, pois um único princípio superior divino englobava o bem e o mal nos seus panteões. Mas, com Zoroastro floresceu uma nova maneira de organizar o relacionamento entre os dois elementos. E surgiu a forma mais pura de dualismo, no qual o bom deus Ahrura Mazda estava em conflito direto com o deus da guerra Ahriman; [11]

Entendamos bem a questão: Não é dizer que o mal existe quando o bem está ausente. Pelo contrário, é dizer que um se concentra no outro. Um existe "igualmente" com o outro, em conjunção. Se há substância em um, igualmente há no outro. Mesmo uma pequena vela acesa diante de uma floresta densa e escura, admite tanto uma realidade quanto a outra. 



Conclusão


Em Deus se concentra tanto o bem quanto o mal. Esta deve ser a nossa visão, pois ela segue a visão monista da bíblia hebraica. A parte prática de tudo isto é que com a visão errônea, o cristão pode perder a fé na soberania Divina (o crente precisa orar para ajudar Deus na batalha contra o diabo!), tem medos constantes do "sobrenatural" (ao invés de temer a Deus, teme ao que o diabo possa fazer), vêem o diabo como um ser com super-poderes capaz de fazer o homem se desviar de Deus e lança todos os seus pecados e fracassos nele responsabilizando-o ao invés de responsabilizar-se a si próprio pelos seus erros. Lamentável, porém uma triste constatação no meio cristão!
Precisamos, portanto reavaliar como nossa compreensão de bem e mal afeta nossas vidas e como isto afeta também nossa visão acerca de Deus.



MARCELO ALEXANDRE DO VALLE.






NOTAS:

[1] STANFORD, Peter - O Diabo, uma biografia - Rio de Janeiro: Gryphus, 2008 - pág. 21
[2] MIRANDA, Valtair - Coloque o diabo no seu devido lugar - Rio de Janeiro: MK Ed. 2007 - pág. 15
[3] Jó 2:10 ACF
[4] Amós 3:6 ACF
[5] Isaías 45:7 ACF
[6] Deuteronômio 32:39
[7] KELLY, Henry A. - Satã, Uma Biografia - Rio de Janeiro - Globo:, pp 57,58.
[8] STANFORD, Peter - O Diabo, uma biografia - Rio de Janeiro: Gryphus, 2008 - (Introdução, pág. XXXII)
[9] STANFORD, Peter - O Diabo, uma biografia - Rio de Janeiro: Gryphus, 2008 - Pág. 23
[10] SANFORD, John A. - Mal, o lado sombrio da realidade - São Paulo - Paulus, 1988 - pág. 28 e 39 a 40
[11] STANFORD, Peter - O Diabo, uma biografia - Rio de Janeiro: Gryphus, 2008 - (Introdução, pág. XXXI).






5 comentários:

  1. Muito bom o assunto Marcelo, nele você exalta a soberania de Deus. Lamentavelmente o cristianismo tradicional contribui para o teísmo existente que presenciamos na atualidade. Para os teístas o maior atributo de Deus é o amor, Este atributo de Deus é freqüentemente elevado acima de Seus outros atributos e é usado para interpretar Deus como sendo um cavalheiro cósmico. Mas, o que as pessoas não compreendem é que Deus sendo o criador soberano Ele não deve explicações a ninguém, do que fazer ou deixar de fazer, e aí entra os textos que você mencionou de Isaías 45.7 e Dt. 32.39. Textos estes que se apresentam estranhos, para aqueles que são influenciados pelo cristianismo tradicional que por sua vez dependeu do dualismo de Zoroastro.
    Um abraço meu irmão. Fique na paz.
    Evandro.

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  2. Obrigado pelo comentário meu irmão Evandro Madeira.

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  3. Desculpe Emerson, somente hoje vi seus comentários..muito obrigado e comente sempre!

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